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Publicações Revista IPH Revista IPH Nº17 Perspectivas para projetos a partir de uma iniciativa de pesquisa sobre salas de cirurgias ambulatoriais nos Estados Unidos

Perspectivas para projetos a partir de uma iniciativa de pesquisa sobre salas de cirurgias ambulatoriais nos Estados Unidos David Allison, Herminia Machry e Anjali Joseph - Universidade Clemson, EUA

Resumo

Este trabalho visa a relatar algumas implicações e conclusões significativas sobre o projeto do espaço físico de uma iniciativa multidisciplinar de pesquisa para um projeto de um protótipo iterativo com foco no desenvolvimento e na avaliação sistemática de um protótipo de uma sala de cirurgia ambulatorial. O objetivo geral deste projeto foi projetar um protótipo mais seguro, ergonômico e eficiente de uma sala de cirurgia ambulatorial por meio de pesquisa baseada em evidência capaz de fornecer informações para o desenvolvimento de futuras salas de operações ambulatoriais. A metodologia incluiu pesquisa de estudos de caso, revisão da literatura, observações e codificação de interferências nos fluxos de cirurgia em 35 procedimentos cirúrgicos relacionados e, no final, uma avaliação pós-ocupação de uma sala de cirurgia em um novo estabelecimento projetado, em parte, com base nas conclusões da pesquisa. Os resultados gerais do estudo incluem recomendações de projeto acerca do tamanho e da configuração das salas de cirurgia em termos de disposição da mesa cirúrgica e da localização dos painéis de informação e das estações de trabalho.


Palavras-chave: Ambiente cirúrgico, sala de cirurgia, ambiente de construção, projeto com base em evidência, desenvolvimento de protótipos.


Introdução 

Pesquisas atuais, práticas clínicas e diretrizes de projeto para ambientes cirúrgicos indicam que a sala de cirurgia é um ambiente complexo, capaz de causar um impacto significativo nos resultados clínicos de pacientes, nos desdobramentos seguros tanto para pacientes como para médicos e na eficiência e eficácia operacional dos resultados dos processos cirúrgicos (ELBARDISSI et al., 2011). As inúmeras exigências e restrições técnicas e funcionais que orientam as decisões para o projeto de uma sala de cirurgia estão em constante mudança, geralmente são cumulativas e, às vezes, paradoxais em termos de otimização desses resultados (ROSTENBERG & BARACH, 2012). Ao mesmo tempo, a configuração espacial das salas de cirurgia como um todo apresenta poucas mudanças desde a metade do século 20, consistindo, basicamente, de salas quadradas ou retangulares com a mesa cirúrgica localizada no eixo central. 

De acordo com o Instituto de Medicina dos Estados Unidos, eventos adversos como infecções no local da cirurgia e erros médicos costumam ocorrer em decorrência de sistemas falhos em vez de falhas dos profissionais (DONALDSON et al., 2000). Estudos mostram que tais eventos adversos acontecem no ambiente cirúrgico devido a atrasos cotidianos, interrupção de fluxos e erros menores, normalmente sobrepostos e interrelacionados, que, por sua vez, são causados por políticas, processos, tecnologia e ambiente organizacionais em dissonância (PARKER et al., 2010; WIEGMANN et al., 2007). Estudos anteriores sugerem que o ambiente físico é um fator que contribui para a segurança e a eficiência dos procedimentos cirúrgicos graças a fatores como disposição espacial, iluminação, acústica e ergonomia. Certas características também contribuem potencialmente para a contaminação de superfícies e interferências no fluxo de ar, pessoas e equipamentos (AHMAD et al., 2016; JOSEPH et al., 2018-I). 

Entre os fatores ambientais que causam interferências na sala de cirurgia, incluem-se abertura de portas, sons e alarmes barulhentos, ambiente bagunçado e espaços limitados (WAHR et al., 2013; JOSEPH et al., 2018-I; JOSEPH et al., 2018-II). Se, a uma sala de cirurgia pequena e bagunçada, somarmos elevado tráfego de pessoal dentro da sala assim como elevado movimento dentro e fora, é possível que haja interferência dos fluxos (como pessoas e equipamentos bloqueando a visibilidade e a comunicação entre os integrantes do time cirúrgico) e aumento do risco de infecção (por exemplo, funcionários sem esterilização em contato com a bandeja de instrumentos esterilizados) (PALMER et al., 2013; GURSES et al., 2012). Além disso, espaços de armazenamento mal organizados e as longas distâncias entre áreas funcionais chave podem levar a percursos percorridos sem necessidade e perda de tempo durante procedimentos cirúrgicos, consequentemente acarretando atrasos e custos adicionais para as organizações de saúde (GURSES et al., 2012; FREDENDALL et al., 2009).

Com o propósito de incorporar um processo de planejamento fundamentado em evidências para revelar o papel do ambiente físico nesse sistema de trabalho complexo das salas de cirurgias, o projeto de pesquisa apresentado neste trabalho (Consciência da melhoria do cuidado ao paciente por meio de projetos humanizados para a sala de cirurgia - RIPCHD.OR) desenvolveu uma abordagem multidisciplinar de cinco anos para entender desenvolver e avaliar, de maneira iterativa, características dos projetos de salas de cirurgia que impactam a segurança, a eficiência e as experiências humanas. Como são necessários conhecimentos multidisciplinares para projetar ambientes cirúrgicos, o estudo incluiu times da Universidade Clemson (Departamentos de Arquitetura, Engenharia Industrial e Administração) e a Universidade de Medicina da Carolina do Sul (MUSC). O time de pesquisa incluiu pesquisadores de projetos na área da saúde, arquitetos, profissionais de desenho industrial, profissionais das áreas sociais e de saúde, fornecedores de serviços de saúde e parceiros industriais. Como retratado na Ilustração 1, o projeto de pesquisa foi desenvolvido durante cinco anos, englobando uma fase extensiva para análise de problemas (ano 1), desenvolvimento de alternativas de projetos para salas de cirurgia com base nas evidências encontradas (ano 2), processo iterativo para avaliar e refinar o projeto por meio de simulações (ano 3), e avaliação do protótipo do projeto final (ano 4). 

Ilustração 1: Linha do tempo do projeto de pesquisa RIPCHD.OR 


Resumo dos métodos de pesquisa 

A pesquisa RIPCHD.OR começou com a revisão de 198 artigos, que ajudaram a identificar categorias chave das consequências das salas de cirurgia (exemplo, interferências, erros, satisfação, desempenho) e fatores do projeto que tiveram impacto para essas consequências (exemplo, qualidade do ar, acústica, iluminação, materiais, configuração, visibilidade). Resumidos em outra publicação, (JOSEPH et al., 2018-I), esses achados ajudaram o time em seus esforços para estabelecer o foco da curadoria dos dados, possibilitando estrutura para a condução das observações de vídeos e estudos de caso. Os dados coletados a partir da revisão da literatura, das observações e dos estudos de caso foram usados para desenvolver diversas alternativas de projeto para o protótipo, além de apresentar múltiplas estratégias de análises de dados, como os diagramas de espaguete e os modelos de simulação de eventos discretos criados para entender melhor os padrões de fluxo na sala de cirurgia. O protótipo da sala de cirurgia foi refinado por meio de diversos estágios de simulações de modelos, sendo que seus usuários finais (membros do time cirúrgicos) refinaram de maneira iterativa o protótipo da sala de cirurgia até sua versão final. O protótipo final da sala de cirurgia foi então avaliado por meio de simulações de alta fidelidade de procedimentos cirúrgicos no modelo físico, assim como por meio de uma simulação no computador (modelo proativo) testando versões diferentes do protótipo (tamanho, forma e configuração da sala diferentes) versus padrões do fluxo de tráfego predeterminados nas observações. Finalmente, a pesquisa forneceu dados para a construção de salas de cirurgias em um Centro Ambulatorial Cirúrgico no sudoeste dos Estados Unidos, cuja avaliação foi realizada por meio de um 
estudo pós-ocupação.


Observações por vídeo e decodificação

Por meio de uma abordagem que utiliza sistemas com foco em fatores humanos, (Iniciativa de Engenharia de Sistemas para a Segurança do Paciente 2.0 - SEIPS 2.0, por HOLDEN et al., 2013), o time de pesquisa observou 35 cirurgias ambulatoriais (procedimentos pediátricos e ortopédicos) conduzidas em cinco salas de cirurgia diferentes em um estabelecimento de saúde. Por meio de câmeras de vídeo instaladas nos quatro cantos de cada sala, um software de codificação (Noldus Observer®) e um protocolo de codificação desenvolvido de um estudo anterior (PALMER et al., 2013), noves pesquisadores treinados registraram o tipo, a localização e a duração das interferências nos fluxos cirúrgicos e nas atividades desempenhadas pelos membros-chave da equipe (como, enfermeiros circulantes e instrumentadores, cirurgiões e anestesistas) e pelos objetos (como as bandejas de instrumentos) em cada cirurgia. Além disso, foram registradas as aberturas de portas e fases das cirurgias. 

Para otimizar a codificação e deixar os resultados mais relevantes, cada sala de cirurgia foi dividida em diversas zonas de localização com base em suas funções (por exemplo, zona da bandeja de instrumentos, zona da estação de trabalha da enfermeira circulante, zona de abastecimento) e as atividades foram classificadas de acordo com seu propósito (por exemplo, paciente, equipamento, informação). Por outro lado, as interferências do fluxo cirúrgico foram classificadas segundo a que se referiram: configuração (uso inadequado do espaço, visibilidade comprometida, time cirúrgico incapaz de desempenhar sua função devido à posição do conector ou de móveis), perigos ambientais (como, objetos causando colisão/choque ou o risco de escorregar, cair, tropeçar), usabilidade (como, móvel ou equipamento com mal funcionamento), falha de equipamento e interrupções (como, membros do time cirúrgico respingando/derramando/pegando itens ou em busca de itens cirúrgicos perdidos). Ademais, as interferências nos fluxos cirúrgicos foram codificadas em termos da severidade (desde nenhum ou mínimo impacto até distração, interferência momentânea e tarefa repetida).


Estudos de caso e mapeamento de fluxos

Para investigar mais profundamente melhores práticas no planejamento de salas de cirurgia pelos Estados Unidos, o time de pesquisa visitou três estabelecimentos cirúrgicos com configurações espaciais e modelos operacionais diversos, além do local de observação. O objetivo não era apenas aprender lições sobre o que facilita e entrava os resultados da sala de cirurgia em respeito ao projeto e à tecnologia, mas também adquirir perspectivas sobre os espaços ao redor da sala de cirurgia, entender os múltiplos fluxos de pessoas e objetos que alimentam o procedimento cirúrgico percorrendo a sala cirúrgica e outras áreas, como o departamento de esterilização. Para atingir tais metas, o time de pesquisa desenvolveu uma metodologia de tour para o estudo de caso que incluía uma ferramenta de mapeamento de fluxo (MACHRY et al., 2020) cujo foco era documentar e avaliar oito tipos diferentes de fluxos dentro da unidade cirúrgica (paciente, família, cirurgião, anestesista, instrumentador, suprimentos, equipamentos móveis e lixo) e como passos discretos nesses fluxos podem ser impactados pela configuração espacial. A ferramenta guiou entrevista com os atores, o desenvolvimento de diagramas de fluxos e uma estrutura de avaliação espacial com base em processos com foco na eficiência. Os espaços usados para deslocamentos (como elevadores e corredores) ou as etapas de armazenamento, por exemplo, foram avaliados quanto à possibilidade de apresentarem riscos de atraso para o próximo caso cirúrgico na forma de gargalos e/ou distâncias mais longas de uma etapa à outra.


Desenvolvimento e simulações do protótipo e modelos da sala de cirurgia

Desenvolvidos em paralelo à coleta de dados, o protótipo final e o modelo de alta fidelidade da sala de cirurgia resultaram dos nossos ciclos intensos de projeto-fabricação-teste-refação de projeto, um processo que envolveu o time de pesquisa multidisciplinar, um comitê consultivo e estudantes da graduação. A tarefa inicial era construir de maneira coletiva uma estrutura fundamentada em evidências para guiar o projeto do protótipo (Ilustração 3 da próxima seção). Isso foi feito com base na revisão da literatura e em workshops que reuniram o time para filtrar as evidências e as melhores práticas relevantes para o projeto. Após chegar a um consenso e claridade sobre o projeto e as diretrizes nas quais focar, diversas soluções de projeto foram desenvolvidas, delimitadas e replicadas com fitas de baixa fidelidade no chão do modelo. 

Flexível o suficiente para refletir diversas alternativas de projeto, o primeiro modelo de fita no chão foi testado com uma série de simulações usando os usuários finais para refinar o projeto. Esse modelo confirmou a área básica do piso e as dimensões da sala. Testou também diversas localizações possíveis para a porta. Como retratado na Ilustração 2, esse processo foi repetido duas vezes com modelos de papelão, possibilitando uma drástica redução no número de alternativas de projetos testar por vez e, consequentemente, levando ao desenvolvimento da versão final do protótipo a ser reproduzido em um modelo de alta fidelidade com paredes e equipamento cirúrgico de verdade. 

Modelo 1: Fita no chão (baixa fidelidade) Modelo 2: Papelão (nível 1) Modelo 3: Papelão (nível 2) Modelo 4: Paredes e equipamentos de verdade (alta fidelidade)

Ilustração 2: Quatro etapas do desenvolvimento do modelo.


Foram desenvolvidas simulações estruturadas ao redor do projeto do protótipo e da fabricação do modelo para testar as alternativas de projeto da sala de cirurgia em cada estágio descrito acima, e os resultados das simulações forneceram dados para a refação do projeto de protótipo na fase seguinte. Um conjunto de ferramentas foi adaptado do Conselho de Qualidade da Saúde de Alberta (HQCA, 2016) para avaliar cada simulação, testando o projeto em contraste com as diretrizes estabelecidas na estrutura do projeto (para testar se o projeto era capaz de otimizar o movimento e o fluxo, por exemplo). Com base da estrutura do HQCA e com a assistência dos clínicos do time de pesquisa, foi desenvolvido um kit de ferramentas de avaliação com base nas simulações com cenários de simulação e protocolos personalizados para simular tarefas e sequências cirúrgicas (BAYRAMZADEH et al., 2017). Os cenários representavam diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais (cirurgias pediátricas e ortopédicas específicas), fases da cirurgia (pré-operatório, peroperatório, pós-operatório e fases de reversão) e configurações da sala de cirurgia (por exemplo, com uma ou duas portas; com ou sem salas adjacentes, como a sala de indução). Sempre com a inclusão de usuários finais (como, cirurgiões e enfermeiros), cada protocolo de simulação definia um diretor de simulação, os papéis e tarefas dos participantes, o equipamento e as ferramentas envolvidas e um cronograma de simulação que incluía uma sequência de simulações menores (como, sequências de entrada e alta do paciente). Cada simulação era seguida de reuniões e grupos focais, imediatamente após ter acontecido, para discutir as percepções e as lições aprendidas.

À medida que a qualidade e a fidelidade dos modelos melhoravam, melhorava também o nível de detalhes dos cenários das simulações (por exemplo, tarefas com móveis ou equipamentos específicos ficam disponíveis nos modelos de maior fidelidade) e as ferramentas de avaliação. Durante as duas primeiras rodadas de simulações (modelos 1 e 2), as conclusões foram essencialmente tiradas com base na análise de conteúdo das anotações das reuniões de debriefing, nos rascunhos anotados e nas plantas baixas. A terceira rodada de simulações (modelo 3) empregou cenários, tarefas, observações e perguntas de avaliação mais estruturadas e detalhadas (mais detalhes na publicação BAYRAMZADEH et al., 2017). A rodada final de simulações, por outro lado, foi mais detalhada devido ao alto nível de fidelidade do modelo (modelo 4) e incluiu simulações mais extensas, com menos interrupções (cirurgias inteiras em oposição a apenas pequenos trechos), e observações em vídeo. Por isso, foram utilizados procedimentos de coleta de dados mais avançados na rodada final das simulações, incluindo enquetes, mapeamento de comportamentos e codificação (por exemplo, rastrear movimentos e as interferências do fluxo cirúrgico) e grupos focais. 


Simulações feitas em computador do protótipo da sala de cirurgia

Após ser definido e construído em modelo de alta fidelidade o projeto final da sala de cirurgia, foi empregada uma simulação digital para manipular algumas de suas características (tamanho, forma e configuração) e testar seu desempenho em contraste com os padrões de fluxos obtidos pelas observações dos vídeos codificadores de cirurgias reais (Ilustração 3). Como explicado em detalhes em outra publicação (TAAFFE et al., 2020), foi criada uma abordagem com um modelo de simulação via computador para simular esses padrões de fluxos em diferentes versões do protótipo da sala de cirurgia (Ilustração 4). Diferentes tamanhos de sala de cirurgia (aproximadamente 39, 54 e 68 metros quadrados), de formas (quadrada e retangular) e configuração (mesa cirúrgica posicionada de maneira perpendicular ou angular às paredes da sala) foram comparadas para observar seu desempenho em termos de como medidas de fluxo impactam a segurança e a eficiência durante a cirurgia - o número de contatos entre pessoas/equipamentos, a distância percorrida pelos integrantes da equipe cirúrgica e o número de transições próximo da área da mesa.

Ilustração 3: Diagramas de espaguete retratam padrões de fluxos obtidos pelas observações dos vídeos codificadores de 35 cirurgias.
Ilustração 4: Manipulações do protótipo da sala de cirurgia em termos de tamanho, forma e configuração testadas versus simulações proativas de padrões de fluxos.

Avaliação pós-ocupação da instalação construída

Para completar o ciclo de pesquisa com base em evidências, foi conduzida uma avaliação pós-ocupação para avaliar de maneira complementar as características do protótipo do projeto da sala de cirurgia durante procedimentos cirúrgicos reais. Amplamente projetadas para refletir as descobertas das simulações supra citadas, as salas de cirurgia construídas no Centro de Cirurgia Ambulatorial (ASC) eram similares ao seu protótipo quanto ao tamanho e à configuração (por exemplo, localização/posição da mesa cirúrgica) e diferentes em termos de características como o número e a posição de portas e dos painéis de informações. Veja a Ilustração 5, que compara ambas as salas.

 

Ilustração 5: Comparação entre o protótipo e a construção da sala de cirurgia.

Ao replicar alguns procedimentos de coleta de dados já descritos (observações de vídeo, codificação, mapeamento de fluxos, enquetes e grupos focais), os resultados da avaliação pós-ocupação foram comparados aos resultados das simulações feitas com o modelo de alta fidelidade.


Descobertas arquitetônicas relevantes 

Um resultado importante advindo das fases iniciais desta pesquisa (revisão da literatura, observações de vídeo e workshops de brainstorming) é a confirmação de uma visão de projeto e de uma série de objetivos e diretrizes de projeto com base em evidência. Um conjunto de cinco objetivos com base em evidências - 1) otimizar a eficiência e a eficácia operacional; 2) otimizar resultados clínicos, a saúde e a segurança; 3) otimizar a experiência para pacientes e equipe, 4) otimizar práticas verdes e sustentáveis; e 5) otimizar a habilidade de acomodar novas necessidades ao longo do tempo - levou a uma série de nove diretrizes interrelacionadas para o projeto de sala de cirurgia - otimizar movimentos e processos, maximizar a atenção visual, painel de informação integrado, minimizar a confusão institucional, minimizar a contaminação do ar e das superfícies, acesso controlado da luz do dia e iluminação artificial apropriada para as atividades na sala de cirurgia e um chassi flexível de quarto com plugues flexíveis e intercambiáveis. Veja a Ilustração 6 que retrata a estrutura que guia o projeto do protótipo da sala de cirurgia, que é então representada como planta baixa na Ilustração 7.

Ilustração 6: Diagrama da estrutura que serve de guia para o projeto do protótipo da sala de cirurgia.


Tamanho e forma da sala de cirurgia

A dimensão geral da área efetiva do protótipo final da sala de cirurgia foi de aproximadamente 6.7 x 7.9 metros. Com um nicho para alocar uma estação de trabalho para enfermeiras circulantes e um estoque, a área efetiva da sala acabou sendo 53.8 metros quadrados. Como descrito antes, a área e a dimensão foram avaliadas em modelos de simulação em comparação a áreas e dimensões de salas maiores. As descobertas decorrentes das simulações (tanto via modelo como via computador) indicam que o tamanho e as dimensões do protótipo desempenharam bem em termos de padrões de fluxo e interferências, mostrando menos incursões na zona esterilizada do que as salas menores e menos percursos/passos percorridos  do que nas salas maiores (TAAFFE et al., 2020).


Ilustração 7: Planta baixa do protótipo final da sala de cirurgia.


Configuração da sala de cirurgia

O protótipo da sala de cirurgia é fundamentalmente organizado em quatro zonas designadas ao redor do setor esterilizado da mesa cirúrgica: uma zona de trabalho para anestesia (AZ) na cabeça da mesa, zonas de trabalhos cirúrgicos (SZ) de cada lado, dependendo da presença de cirurgiões destros ou canhotos e uma zona de circulação (CZ) na parte de baixo e na entrada da sala. Essas zonas foram demarcadas no protótipo por meio de coloração do piso, que facilitou o fluxo cirúrgico, segundo os grupos focais. A localização e orientação da mesa cirúrgica fora do centro e em diagonal na sala abre as áreas inferiores e laterais ao redor da mesa para circulação, montagem de equipamentos e procedimentos ao mesmo tempo que situa a área de trabalho do anestesista de maneira a ficar mais protegida e menos exposta a movimentos de outros membros da equipe cirúrgica. Segundo as simulações e a avaliação pós-ocupação, tal posicionamento atípico da mesa cirúrgica também permite um uso mais eficiente e efetivo do espaço na sala ao eliminar a necessidade de acessar de acessar um espaço tipicamente encontrado no canto mais distante da sala, atrás da anestesia e entre a zona primária de cirurgia e a zona de anestesia, que de outra maneira seria acessada através da zona de estação de trabalho do anestesista ou do cirurgião. Além disso, as conclusões da pesquisa mostraram que a orientação e localização da mesa cirúrgica longe da porta de entrada do paciente facilita a manobra e minimiza os esforços durante o fluxo da maca do paciente na entrada e na saída da sala.


Posto de trabalho móvel de enfermeira circulante

Com base no feedback de simulações baseadas em modelos, o protótipo da sala de cirurgia propôs uma estação de trabalho móvel para enfermeira circulante que permite flexibilidade para a posição da enfermeira durante a cirurgia, facilitando assim o reposicionamento baseado nas necessidades de visibilidade e fluxo, independentemente da orientação da mesa cirúrgica. Isso permite à enfermeira circulante posicionar o posto de trabalho de forma ideal para visualizar o procedimento enquanto documenta ou monitora a cirurgia no computador. Um nicho de estacionamento é fornecido para esta estação de trabalho quando ela não estiver em uso (por exemplo, durante as fases de turnaround ou pós-operatória). Observações e grupos focais também destacaram a importância do gerenciamento dos cabos, do posicionamento das tomadas e da localização dos dispositivos de controle ambiental (por exemplo, iluminação) quando se trata da estação de trabalho móvel, pois requer uma tomada elétrica para carregamento e alguns funcionários relataram preferência por ter a estação de trabalho conectada 
o tempo todo.


Painéis de informação

O protótipo da sala de cirurgia foi projetado com tecnologia integrada de recuperação e exibição de informações do paciente, além de painéis ajustáveis montados em barras ao redor da mesa cirúrgica. Os painéis de informação propostos para montagem em parede foram localizados em três paredes do protótipo, prevendo uma faixa contínua de painel digital integrado aos painéis de parede que circundam toda a sala. O protótipo foi fabricado com três monitores montados na parede: um em cada parede mais extensa e um na parede de fundo da sala. Com o objetivo de aumentar a consciência situacional, os monitores foram posicionados para permitir uma ótima visibilidade para toda a equipe cirúrgica a qualquer momento durante a cirurgia, em ambos os lados da mesa cirúrgica, e enquanto se movimentam pela sala. As simulações constataram que os displays foram inicialmente instalados muito em cima para uma visão confortável, e as linhas de visão foram bloqueadas de alguns pontos por barras e luzes cirúrgicas aéreas.


Flexibilidade da sala de cirurgia

O chassi básico do protótipo da sala de cirurgia foi projetado para acomodar várias configurações de suíte, incluindo um núcleo limpo para armazenamento de suprimentos estéreis que requerem acesso pelo lado da sala de cirurgia oposto ao corredor para paciente-equipe. Com base nas observações de um dos estudos de caso, o protótipo de chassi foi projetado para acomodar a opção de uma sala de indução adjacente para casos pediátricos. Dado que a maioria das cirurgias pediátricas são de curta duração com um estágio pré-operatório mais longo envolvendo indução, isso permite que o próximo caso inicie o processo de indução com uma equipe de anestesia separada fora da sala de cirurgia enquanto um procedimento ainda estiver em andamento. Isso permite o processamento paralelo com tempos de retorno mais rápidos e rendimento dos casos cirúrgicos em um determinado dia. A sala de indução separada também permite que membros da família estejam com a criança durante o intimidante processo de indução sem a necessidade de roupas especiais. 

As simulações mostraram que a configuração do protótipo da sala de cirurgia foi capaz de acomodar essas diferentes configurações após alterações mínimas, incorporando salas auxiliares adjacentes, tais como uma sala de indução ou uma sala de instrumentalização pós-operatória e um nicho com entrada para uma pia de esterilização. O protótipo foi testado em simulação tanto para a instrumentalização pós-operatória associada a cirurgias ortopédicas como para a indução fora da sala de cirurgia para cirurgia pediátrica. Os cenários da sala de indução foram vistos como benéficos para casos pediátricos de curta duração e, finalmente, adotados nas instalações posteriormente construídas como um meio de melhorar a rotatividade da sala e a produtividade como um todo.

O protótipo foi construído com uma estrutura modular adaptável suspensa para apoiar as barras cirúrgicas, luzes cirúrgicas e outros itens fixos no teto (Ilustração 8). Ele foi projetado para permitir a realocação desses elementos aéreos com esforço e custo mínimos. As simulações não avaliaram explicitamente a colocação original das barras cirúrgicas suspensas e das luzes, embora o feedback causal tenha indicado alguma dificuldade no posicionamento ideal da barra cirúrgica e das luzes através de diferentes procedimentos e posicionamento do médico. As imagens indicaram que os locais de montagem das barras estavam muito próximos do centro da mesa de cirurgia e que seria melhor que estivessem mais afastadas para minimizar conflitos nas rotações das barras. 

Ilustração 8: Barra suspensa e estrutura de iluminação.


Características da sala de cirurgia aplicadas, mas não testadas

Como a estrutura modular no teto, foi incluída uma simulação de janela no protótipo, mas que não foi testada no estudo de pesquisa considerando a falta de área externa e a impossibilidade de simular a experiência ou exposição à luz do dia. No entanto, a janela foi incluída no protótipo com base em evidências causais que mostram como janelas com luz do dia adequadamente controlada, privacidade e controles térmicos são tanto desejáveis quanto benéficas para os membros da equipe cirúrgica. Também se especula que janelas com acesso à luz do dia e à vista externa podem reduzir o estresse de pacientes de cirurgia ambulatorial, o que é especialmente relevante com o aumento de cirurgias minimamente invasivas e o progresso nas estratégias anestésicas. Isso sugere que mais pacientes no futuro poderão manter algum nível de consciência por, pelo menos, certos períodos de tempo na sala de cirurgia, aumentando potencialmente a necessidade de distrações 
positivas na sala. 

O protótipo da sala de cirurgia também incluiu portas corrediças muito comuns em alguns países, mas sem adoção generalizada nos EUA. Argumenta-se que portas corrediças reduzem o esforço, as interrupções de fluxo e a turbulência do ar na sala de cirurgia, mas tais características também não foram avaliadas em simulação. Da mesma forma, os conceitos gerais de iluminação da sala foram concebidos no projeto, mas não foram incorporados ou avaliados em simulações. O protótipo foi projetado para minimizar a desordem institucional, as manobras desnecessárias sobre superfícies e diminuir as superfícies horizontais desnecessárias para facilitar a limpeza, assim potencialmente reduzindo a contaminação superficial. Novamente, essas características não foram testadas.


Conclusões 

O tamanho, as dimensões e a configuração do protótipo da sala de cirurgia permitiram uma utilização eficaz e eficiente de seu espaço. Um dos resultados mais importantes e validado por simulações, assim como pela avaliação pós-ocupação, mostrou que, ao colocar a mesa cirúrgica na diagonal, fora do centro e longe da entrada na sala retangular, o movimento e o fluxo na sala de cirurgia melhoraram, facilitando a entrada, a transferência e o posicionamento do paciente. Além disso, essa posição da mesa cirúrgica facilita o movimento ao redor da sala sem interferir nas zonas de anestesia e nas zonas estéreis ao redor do paciente, evitando interrupções de fluxo nessas áreas, tais como solavancos, percursos e riscos relacionados à segurança de pacientes e funcionários. O projeto do protótipo também foi bem-sucedido ao melhorar a consciência situacional com a localização e orientação da mesa cirúrgica, da estação de trabalho móvel da enfermeira e de múltiplos painéis de informação montados na parede. Combinadas, essas características possibilitaram ampla visibilidade entre os membros da equipe cirúrgica e facilitaram a movimentação da enfermeira circulante, um papel fundamental de apoio a todo o procedimento cirúrgico. À medida que a capacidade e a confiabilidade de recarga aumentam, teremos cada vez mais à disposição dispositivos de controle sem fio e a integração com sistemas inteligentes amplamente adotada, aumentando a flexibilidade e a capacidade de posicionar e operar estações móveis de trabalho na
sala de cirurgia.

As simulações do protótipo de modelo indicaram que o projeto geral da sala oferece flexibilidade para uma variedade de procedimentos pediátricos e ortopédicos ambulatoriais que requerem diferentes equipes cirúrgicas, equipamentos e posicionamento do procedimento e dos membros da equipe. Outras características do protótipo que não foram testadas são antecipadas para permitir a padronização do chassi da sala com flexibilidade e adaptabilidade dos componentes ao longo da vida útil da sala. Características significativas para a flexibilidade incluem um sistema de montagem estrutural no teto que pode permitir o fácil reposicionamento do suporte estrutural e a colocação de barras e luzes cirúrgicas suspensas. Os painéis modulares de parede feitos de aço inoxidável, plug and play, são projetados para permitir a reconfiguração dos sistemas integrados e para serem montados na parede e permitir reparo rápido e limpo com tempo de parada e interrupção mínimo.


Limitações

A maioria das limitações constatadas na avaliação do projeto do protótipo já era conhecida no início e foi englobada pelo escopo, cronograma, orçamento e local do modelo do estudo. As avaliações do protótipo focaram em um número limitado de procedimentos cirúrgicos pediátricos e ortopédicos ambulatoriais.  Várias características do projeto arquitetônico do protótipo da sala de cirurgia não foram avaliadas devido a uma variedade de limitações. A pesquisa não estudou questões de iluminação geral da sala nem avaliou a configuração das barras suspensas e das luzes cirúrgicas. Devido à natureza das simulações e restrições gerais de espaço, tempo e financiamento, o protótipo não incluiu sistemas mecânicos, nem puderam ser realizados procedimentos cirúrgicos reais por razões óbvias, portanto o estudo não avaliou o projeto do modelo em termos de controle de infecção. Com base em limitações similares, o estudo não avaliou o impacto de incidência de iluminação artificial, luz do dia ou conexões com a natureza nem para pacientes nem para a equipe, apesar de uma atenção considerável ter sido dedicada a considerar esses atributos no projeto do protótipo.  Da mesma forma, o estudo não pôde testar questões de flexibilidade além de acomodar uma seleta variedade de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais pediátricos. Todas essas questões merecem maior consideração e avaliação no futuro.


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