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Publicações Revista IPH Revista IPH Nº 14 Quando a ventilação natural saiu de moda nos hospitais

Quando a ventilação natural saiu de moda nos hospitais Jeanne Kisacky

Figura: New York Nursery and Child's Hospital Annual Report, 1910. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository.



Como os hospitais foram de resorts de luxo para caixas sem janelas

Na edição de março de 1942 da revista Modern Hospital, Charles F. Neergaard, um proeminente consultor hospitalar da cidade de Nova Iorque, publicou um layout do setor de internação que era tão inovador que ele registrou os direitos autorais do desenho. O plano apresentava duas unidades de enfermaria - grupos de quartos supervisionados por uma única equipe de enfermagem - numa única ala da construção. Para cada unidade, um corredor dava acesso a uma fileira de pequenos quartos ao longo de uma parede exterior e para uma área de atendimento compartilhada entre os dois corredores. Qual a característica que tornou essa planta tão inovadora - e, portanto, arriscada? Ela incluía quartos que não tinham janelas.


Hoje em dia, dificilmente um quarto sem janela seria considerado inovador, mas nos idos de 1940 era uma proposta chocante para uma ala de pacientes. Ela violava um entendimento duradouro do que deveria ser exatamente o papel do edifício hospitalar enquanto promotor de saúde.


Por quase dois séculos o planejamento de hospitais embasou seus desenhos numa hipótese fundamental: os espaços hospitalares precisavam de acesso direto à luz solar e ao ar fresco para se manterem livres de doenças e com o ambiente saudável. Essa regra foi produto de crenças centenárias de que as doenças poderiam se espalhar ou seriam diretamente causadas por espaços estanques e escuros onde se acumulava o ar ruim, fétido, viciado, parado e carregado de partículas.


Ao final do século 18, essa correlação era estatisticamente correta. As epidemias sempre atingiram com mais força os moradores dos distritos urbanos empobrecidos e superpovoados do que os habitantes de vizinhanças mais ricas e arejadas. Os pacientes sofriam com infecções cruzadas e infecções secundárias com maior frequência nos grandes hospitais urbanos do que aqueles de hospitais em cidades pequenas ou rurais. Era conhecimento comum que ambientes sem janelas não causavam diretamente as doenças, eles criavam as condições que levavam às doenças.


Dada essa correlação, antes do século 20, todo quarto de hospital tinha, usualmente, acesso ao exterior. Os corredores tinham janelas. Os armários de rouparia tinham janelas. Em alguns hospitais, até dutos, gabinetes de encanamentos, de esgoto, e os espelhos das escadas chegavam a ter janelas. As janelas nos quartos e nas salas de cirurgia eram tão grandes que o brilho causava problemas - deixando pacientes acordados e gerando cegueira temporária em cirurgiões durante as operações.


Ao final do século 19 e início do século 20, ocorreram avanços teóricos na medicina e as práticas se alteraram, mas não ofuscaram a fé nas janelas. Com o desenvolvimento da teoria sobre os micróbios, luz e ar fresco tinham novos propósitos. Experimentos comprovavam que a luz ultravioleta era germicida. Assim, janelas de vidro transparente, ou até mesmo vidros especiais - os "vita-glass" - que não bloqueavam os raios UV - eram usados como formas de descontaminação das superfícies.


Do mesmo modo, os registros dos sanatórios para tuberculosos provavam que a simples exposição ao ar fresco poderia ser curativa. Os edifícios hospitalares eram em si mesmos uma forma de terapia. Numa edição de 1940 da revista de arquitetura Pencil Points, Talbot F. Hamlin apontava confiantemente que "a qualidade do ambiente ao redor de uma pessoa doente pode ser tão importante para cura quanto as próprias medidas terapêuticas específicas".


Mas os ambientes circundantes eram importantes parcialmente, por conta de quem ia aos hospitais. De fato, até o final do século 19, o tratamento médico não era a razão para ir a um hospital - a pobreza era. A grande maioria dos pacientes dos hospitais do século 19 eram casos de caridade - pessoas doentes que não podiam pagar por um médico em casa, que não tinham familiares para cuidar deles e que não tinham outro lugar para ir. Um paciente ocupava a mesma cama na enfermaria que abrigava algo entre seis a trinta pacientes. Enfermeiras proviam comida, trocavam bandagens, limpavam e trocavam os lençóis, mas ofereciam muito pouco em termos de tratamento efetivo. O hospital escrupulosamente limpo, brilhante e com ambientes arejados era o antídoto para os ambientes habitacionais originários dos empobrecidos pacientes.


No entanto, a população hospitalar mudou nas primeiras décadas do século 20. Avanços médicos, crescimento urbano e transformações na filantropia transformaram os hospitais em um novo tipo de instituição onde pessoas de todas as classes iam para obter o tratamento de ponta. Anestesia e assepsia tornaram as cirurgias em hospitais não somente mais seguras, mas também mais suportáveis. Novos equipamentos, como máquinas de raios-X, oftalmoscópios e cardiogramas, melhoraram as opções de diagnóstico e de terapias. Técnicos de laboratórios bacteriológicos podiam identificar patógenos com uma precisão nunca antes sonhada na era anterior de diagnósticos por sintomas. No início do século 20, o que acontecia nos hospitais estava cada vez mais ligado aos procedimentos médicos e à eficiência de fluxos de trabalho, e não mais ao ambiente ostensivamente salutar em si mesmo.


Essas mudanças tornaram evidentes as limitações dos projetos "terapêuticos" anteriores. A fim de fornecer uma janela para cada quarto, os edifícios não poderiam ser mais largos do que a profundidade de dois quartos e isso, inevitavelmente, requeria longas e estreitas alas. Tais estruturas desconexas não só eram caras de construir, mas também caras para aquecer, iluminar e prover com água; eram ineficientes e demandavam trabalho intensivo na sua operação. A comida chegava fria aos pacientes após ser transportada de uma cozinha central distante; pacientes que precisavam ser operados eram transladados por vários prédios até chegarem ao conjunto cirúrgico.


Assim, projetistas de hospitais passaram a organizar profissionais, espaços e equipamentos em um desenho mais eficiente. As palavras de ordem passaram de "luz" e "ar" para "eficiência" e "flexibilidade". A ênfase em eficiência rapidamente tomou de assalto as áreas de atendimento do hospital, estudos de tempo e movimento determinaram layouts e localização de cozinhas, lavanderias e centrais de esterilização. Espaços de diagnóstico e tratamento foram redesenhados para permitir o movimento eficiente, mas septicamente seguro, de pacientes, enfermeiras, técnicos e suprimentos. Porém, num primeiro momento, deixou o design da internação inalterado.


Projetistas e médicos temiam que áreas para pacientes desenhadas com foco na eficiência, não seriam salubres, iriam prolongar tratamentos, impedir a recuperação ou até causar a morte. Numa edição de 1942 da revista Modern Hospital, Lt. Wilber C. McLin considerava "impensável considerar as possibilidades de aplicar estudos de tempo e movimento aos métodos de atendimento direto ao paciente". Internações permaneceram como o templo sacrossanto do ar e da luz.


Assim sendo, a partir dos anos 1940, a maior parte dos edifícios hospitalares eram uma estranha mistura de espaços de tratamento médico eficientemente organizados e unidades de internação ineficientes. As enfermeiras caminhavam penosamente para cima e para baixo de longos salões que abrigavam 20 ou mais pacientes, ou de longos corredores duplamente carregados que conectavam salas menores (de seis, quatro ou duas camas) e quartos privativos. As áreas de serviço ficavam na extremidade dessa caminhada, pegar até mesmo o mais básico dos suprimentos significava uma longa caminhada. Pedômetros provaram que a distância percorrida por dia seria melhor contada em quilômetros, algumas enfermeiras andavam em torno de 12 a 16 km por turno. Em 1939, um proeminente médico da Filadélfia, Dr. Joseph C. Doane observou laconicamente: "aparentemente, alguns hospitais são planejados com a teoria errada de que as enfermeiras caminham por longínquas áreas de serviço para camas distantes sem incorrer em fadiga".


Esse foi o dilema do projeto que confrontou Neegaard, uma estrela iconoclasta na novíssima profissão de "consultor hospitalar" (médicos que aconselhavam comitês de construção e arquitetos na melhor prática). Ele propunha a racionalização da unidade de enfermagem, mantendo as janelas nos invioláveis quartos dos pacientes, mas priorizando eficiência em vez de acesso direto à luz e ao ar fresco nas áreas de serviço adjacentes. Seu planejamento permitia que duas unidades de enfermagem[1] diferentes compartilhassem a mesma central de atendimento sem janelas, reduzindo a redundância espacial.


Neergaard calculou que seu "projeto de pavilhão duplo" exigia apenas dois terços da área construída do que o layout tradicional da unidade de enfermagem. Ele também aproximou as salas de atendimento dos quartos dos pacientes, reduzindo drasticamente as viagens diárias das enfermeiras. Seu desenho foi a primeira incursão a tratar o hospital como se fosse qualquer outro prédio. A estrutura era uma ferramenta facilitadora do fornecimento de atendimento médico, e não mais uma terapia em si mesma.


Neergaard sabia que suas ideias seriam polêmicas. Em 1937, sua apresentação na convenção da Associação Americana de Hospitais (American Hospital Association) impeliu os proeminentes arquitetos de hospitais, Carl A. Erickson e Edward F. Steven, a saírem de um comitê para não parecerem apoiadores das propostas de Neergaard. Um notável arquiteto de hospitais chamou o projeto de pavilhões duplos de "essencialmente uma favela".


Entretanto, as ideias de Neergaard venceram. O aumento de custos e a queda das fontes de receita fizeram com que a redução dos orçamentos de construção e operação se tornassem um imperativo financeiro. O desenho centralizado reduziu o volume de despesas com a construção de paredes exteriores, facilitou a centralização do atendimento e diminuiu o número de enfermeiras ao reduzir as distâncias. Nos anos 1950, com o advento dos antibióticos e a melhoria das práticas assépticas, os médicos também acreditavam que a saúde do paciente poderia ser mantida independente do projeto do quarto. Alguns médicos até preferiam o controle ambiental total oferecido pelo ar-condicionado, pela central de aquecimento e pela luz elétrica. Janelas não eram mais necessárias para um hospital saudável e, nos anos 1960 e 1970, surgiram até mesmo quartos de pacientes sem janela.


Os edifícios eficientes, desumanos e monótonos da segunda metade do século 20 testemunham até que ponto o projeto hospitalar tornou-se uma ferramenta para facilitar a medicina, em vez de uma terapia. Hoje, uma estadia num quarto de hospital é suportada, não apreciada.


Todavia, o pêndulo ainda se move. Em 1984, o arquiteto de hospitais Roger Ulrich publicou um artigo que tinha uma descoberta clara e influente: pacientes em quartos com janelas melhoram numa taxa mais rápida e em maior porcentagem do que pacientes em quartos sem janelas.


Notas:

[1] Unidades de enfermagem são grupos de pacientes supervisionados por uma enfermeira.


A versão original em inglês foi publicada pela Zócalo Public Square e pode ser acessada aqui.
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