IPH - Instituto de Pesquisas Hospitalares

Publicações Revista IPH Especial 60 Anos A Relação Profissionais de Saúde e Clientes - Tendências e Perspectivas - 2014

A Relação Profissionais de Saúde e Clientes - Tendências e Perspectivas - 2014 Roberto Kanaane
1. Introdução

Atualmente, no contexto da Saúde, a grande temática é a busca da qualidade, no sentido mais amplo.

Nesse sentido, instituições e profissionais estão atentos à questão, buscando extrair o máximo aproveitamento de tecnologias, atuando em equipe para a resolução de problemas, enfim, apontando soluções e avaliando resultados.

Tem-se enfrentado problemas estruturais, funcionais e comportamentais significativos, o que tem levado a área da Saúde a focalizar a Gestão Qualidade, buscando superar os problemas, visando à eficiência e eficácia nos seus diversos aspectos.

Sob esta perspectiva, buscou-se analisar: A relação profissional da Saúde e o Cliente.

2.  Desenvolvimento Temático

Ao focalizar essa relação e recorrendo a Balint (1978), vê-se que é no primeiro encontro, no qual se trava o conhecimento médico-cliente, que se cria a aliança terapêutica.  É no final dessa primeira entrevista que o médico emite o seu diagnóstico e estabelece um projeto terapêutico, impulsionando as interações seguintes.


Balint aponta interferências no prosseguimento do tratamento, tais como o cliente conferir uma autoridade exagerada ao médico, esperar passivamente que ele resolva todos os seus problemas, comportar-se com muita submissão ou mostrar-se reivindicativo.   A terminologia psicanalítica fala de transferência ou de elementos transferenciais, indicando tratar-se de emergências subentendidas por emoções fortes ou experiências do passado, as quais desencadeiam, às vezes, reações inadequadas ao médico, ou seja, a contratransferência.


Os clientes são diferentes uns dos outros, o comportamento humano não é só determinado por fatores biológicos, mas por fatores complexos relativos às ciências humanas, em que o individual, o único, é dificilmente apreensível em sua totalidade.  Seria importante se fazer um diagnóstico global, incluindo os aspectos psicológicos e sociais do cliente.


Balint aponta a necessidade de descobrir, com o cliente, a maneira de lidar com as situações conflitantes em que ele se encontra.


Haynal (1981, p.17) assim se expressa quanto ao diálogo médico-paciente: "Os múltiplos aspectos da solicitação do doente constituem toda a complexidade de seu encontro com o médico; ele não vem só trazer-lhe um órgão doente, mas também a ansiedade e os problemas psicológicos ou sociais que dele decorrem."


Ao procurar o médico, o cliente espera ser ouvido e entendido, em sua fala transmite mensagens que ultrapassam as informações relativas ao mau funcionamento de seu corpo.  Essas mensagens refletem um pedido de auxílio e informam sobre as consequências sociais da doença e podem ter certa importância no encadeamento etiopatogênico.


Balint e colaboradores (1988) mostraram que poucos minutos suplementares necessários à coleta dessas informações, trazem contribuições importantes, tal como ocorria com os antigos médicos de família.   Há necessidade de uma avaliação clínica do conjunto, em que as angústias, a depressão, as preocupações, as relações do paciente com o ambiente familiar e social são integradas ao exame geral.   O cliente tem expectativas que, no atendimento, o médico esteja interessado nele como ser humano e não como um caso a mais.


Haynal (1981) assim comenta a relação médico-paciente:

O médico que recebeu uma informação que lhe permite compreender a psicologia do paciente, decodificar o seu discurso intencional, extrair dele a ressonância afetiva e emocional, interpretar o seu comportamento, a sua mímica e os seus gestos, pode, no entanto, sentir-se dificultado no seu trabalho pela necessidade de se identificar com ele; efetivamente, a vida interior do outro só é compreendida quando podemos "remeter-nos na pele dele", viver nós mesmos, por identificação, o que ele tenta descrever e depois, num segundo tempo, captá-lo, graças a uma tomada de distância objetivante.  Estes dois momentos sucessivos podem deparar com certas dificuldades, mesmo quando o médico está convencido da importância de uma compreensão psicológica do doente e do seu ambiente psicossocial.  Pode acontecer que: a) problemas do doente despertem no médico eco desagradável, causador de um movimento defensivo involuntário e momentâneo, quase automático;  b)  o médico não conseguir identificar-se com certos doentes, que acha antipáticos em função de motivos  que nem sempre são conscientes ou que não conseguem superar;  c)  ele sentir-se demasiado longe de um doente que lhe parece estranho, incompreensível.

Tais fatores impactam diretamente na dinâmica da interação médico-cliente influenciando na perspectiva do Médico em apreender as necessidades do seu interlocutor, procurando suprir as necessidades prementes dando-lhe assistência básica quanto aos determinantes biopsiquicosociais, assim como investigando a etiologia da sua queixa, expressa no momento do encontro.


A angústia ou a depressão do doente podem constituir-se em obstáculo ao desenrolar satisfatório do diálogo com o médico, pois essa angústia é referente à destruição do corpo, ao sofrimento, à invalidez, ao medo da intervenção, às vezes advindos do estilo de vida do cliente, ou decorrentes de conflitos causadores de certas doenças funcionais ou psicossomáticas.


Menzies (1990) aponta as situações causadoras de estresse nas enfermeiras que lidam com tarefas desgastantes, repulsivas ou aterrorizantes, suscitando sentimentos fortes e contraditórios, ora libidinosos, ora agressivos, ocasionando forte ansiedade.  Aponta ainda que o impacto direto da doença física na enfermeira é intensificado pela sua tarefa de captar os estresses psicológicos em outras pessoas, e de lidar com eles, inclusive os de suas próprias colegas.


Pensando nesses vários tópicos é que se pode entender que as relações entre os vários profissionais da Saúde e o cliente se estendem aos aspectos intra e interpessoais, advindos do processo de comunicação, interação e a ambivalência do sentimento envolvido, que devem ser monitorados, captados se atendidos.


2.1. A Atuação do Profissional de Saúde

Como o profissional da saúde necessita atuar e a que aspectos deve estar atento?

Inicialmente, pode-se dizer que é aconselhável que o profissional de saúde busque o autoconhecimento, a fim de facilitar a compreensão e o manejo adequados da doença e do cliente. 

Ao se relacionar com o cliente, o profissional necessita apreendê-lo como um ser no mundo e a investigação clínica da doença como consequência do  diálogo estabelecido entre o cliente e o mundo.  A observação da expressão espontânea de sua fala, assim como, deixar-se "guiar" por ela com uma atitude de escuta, buscando captar as forças psicológicas, sociais ou somáticas que determinam o seu mal-estar momentâneo.

Às vezes, o cliente necessita de uma postura mais diretiva, por parte do profissional, funcionando como um auxílio moral, um apoio, ou de uma troca de ideias, levando a um alívio imediato com efeito catártico, ou clarificando os conflitos.   Outras vezes não basta a catarse, ou seja, um diálogo possibilita ao paciente a tomada de consciência de seus problemas/necessidades, buscando posteriormente o auxílio psicoterapêutico.

É necessário que o profissional da Saúde crie condições, para que o cliente consiga refletir sobre o significado de seu adoecer.

O trabalho do profissional, como agente catalisador, seria o de fazer emergir as possibilidades e recursos de cada indivíduo para a cura de sua doença, buscando aclarar o significado das atitudes de sua vida e da compreensão de sua doença.  Assim, é necessário que o psicólogo, bem como demais profissionais da Saúde, tornem-se conscientes de suas próprias responsabilidades, utilizando adequadamente e, em conjunto, os recursos disponíveis, adotando, inclusive, a participação pessoal. A tecnologia aliada à competência pessoal/profissional contribui para a eficácia e elevação da confiança entre clientes e profissionais da Saúde.

Mezomo (1980) afirmou, por ocasião da abertura do 1º Congresso Brasileiro de Humanização do Hospital e da Saúde, em São Paulo, que toda política de saúde e, dentro dela, toda estrutura hospitalar, encontram sua razão de ser no Homem, considerado como sujeito e beneficiário, e não como simples objeto e receptáculo dos cuidados que lhe são prestados.  No seu entender, é no atendimento da Pessoa Humana, no seu todo, que se encontram as ações de Saúde, ética e moralmente corretas.  Diz que: "Toda pessoa carente de Saúde é, antes de tudo, uma Pessoa, mesmo quando suas condições físicas e psíquicas o pareçam negar!".

Mezomo enfatiza a necessidade de que os profissionais da saúde tenham uma conduta pautada pelos valores humanos e não apenas pelos valores técnicos e terapêuticos de seu agir.  Nesse sentido, forma-se uma unidade profunda entre o profissional da Saúde e a pessoa que recebe seus cuidados, havendo necessidade da integração de ambos, em função do objetivo de preservar ou recuperar a Saúde, adotando a Postura Holística.

Poder-se-ia dizer, seguindo essa ideia de humanização, que o atendimento em Saúde busca responder a uma angústia, um pedido de ajuda e de socorro.  É o cliente que sabe dimensionar a sua dor e sua angústia.  Assim, as respostas do profissional da Saúde não podem ser respostas padronizadas e uniformes, pois nem sempre estabelecem a integração necessária entre ele e quem recebe seus cuidados.

O profissional necessita, assim, ouvir o apelo e sentir a angústia, para então poder responder com a ação adequada.  O ouvir e o sentir, assim como entender em profundidade o cliente é a tarefa primordial de todo profissional da Saúde, pois todo o serviço referente à Saúde é um encontro de pessoas, sendo necessário que o cliente, se manifeste e contribua efetivamente no processo de sua plena reintegração física, psicológica, social e espiritual.  O cliente precisa querer a sua Saúde e aceitar a terapia indicada.  É, portanto, um agente de sua Saúde, estendendo-a a seu ambiente familiar, social e profissional. A atuação se evidencia no ajustamento do cliente às condições da vida hospitalar.  Isso se torna necessário, pois a doença rompe a interação dele com a sociedade e seus familiares, havendo uma mudança de papéis, de equilíbrio e da rotina de sua vida.  Vivendo um momento de crise, fica na dependência de outras pessoas.

A compreensão das dificuldades, eventuais, que o cliente apresentar, após um período de hospitalização prolongada, pode desencadear o receio "de sua alta", ou sentir-se inseguro face ao seu retorno ao meio social, ao trabalho.  Consequentemente, a equipe de Saúde, necessita encarar o cliente como um todo, como uma unidade integrada, nos seus aspectos físico, psíquico, socioeconômico e espiritual, prestando serviços médicos, assistenciais e terapêuticos, regidos por padrões de qualidade, eficiência e eficácia.


3. Conclusões

A ênfase ao processo de humanização hospitalar tem possibilitado perspectivas para a atuação do médico e demais profissionais da Saúde, e dessa forma, garantir de uma maneira mais ampla o resgate da confiança e a eficácia no tratamento, assim como, ações voltadas à prevenção das doenças e melhoria da qualidade de vida do cliente, do respeito às diferenças individuais e da valorização da relação entre os mesmos.

Dentre as ações mais importantes, pode-se citar:
  • Atuação em equipe multiprofissional;
  • Incorporação de conhecimentos de epidemiologia e prática clínica, levando os profissionais a atuarem com mais competência;
  • Ênfase aos aspectos psicológicos, sociais e culturais, nas doenças e nos doentes;
  • Enfoque à prevenção;
  • Conhecimento dos custos das decisões tomadas, buscando administrar com eficácia o processo diagnóstico;
  • Foco no resgate da cidadania, ou seja, a crescente participação do paciente nas decisões que são tomadas a seu respeito, visando a sua recuperação;
  • Implementação de programas centrados na Qualidade, com ênfase nos processos, procedimentos, rotinas e posturas compatíveis com as demandas do cliente.  

A título de considerações finais é de fundamental importância que os profissionais de Saúde apreendam a lidar com os Clientes, tanto no aspecto diagnóstico quanto na orientação efetiva, no tocante, às alterações do estilo de vida de seus Clientes, sugerindo ações preventivas quanto aos hábitos, atitudes e comportamentos, que eles possam vir a apresentar. Consequentemente, o relacionamento - profissionais de Saúde e Cliente - passa a ser fator determinante na recuperação do paciente, um aliado no resgate da autoestima e da autoimagem, concedendo-lhe autonomia e responsabilidade pelo processo de recuperação, gerando o aflorar do compromisso e comprometimento dos envolvidos.


Referências 

BALINT (1978) in BERWICK,  Donald M. et alii.  Melhorando a Qualidade dos Serviços Médicos, Hospitalares e da Saúde.  São Paulo, Makron Books, 1995.

CAMPOS, Terezinha C. Padis.  Psicologia Hospitalar.  São Paulo, EPU,2005.

KANAANE, R. Comportamento Humano nas Organizações: O Homem rumo ao século XX. 2ª ed.São Paulo: Atlas 2012.

MENZIES (1990) in MIRSHAWKA, Vitor.  Hospital: Fui bem atendido: a vez do Brasil. São Paulo.

HAYNAL (1981) in REVISTA MEDICINA SOCIAL - Ano XIII, no. 144 - Maio/98 (Órgão Informativo da Associação Brasileira de Medicina de Grupo - Abrange). Consultei a revista.

Para contato: 
Roka Consultoria Em Gestão de Pessoas
Fone: (011) 2950-3230
E-mail: roka@roka.com.br
http: www roka.com.br
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