IPH - Instituto de Pesquisas Hospitalares

Publicações Revista IPH Revista IPH Nº18 Como a sintaxe espacial pode ajudar a mitigar o efeito de futuras pandemias no Brasil

Como a sintaxe espacial pode ajudar a mitigar o efeito de futuras pandemias no Brasil Dra. Maria Eleusa Montenegro, Dr. Paulo Afonso Cavichioli Carmona, Dra. Eliete de Pinho Araújo, Msc. Paulo César Galante Siqueira, Centro Universitário de Brasília - UniCEUB

Resumo


O estudo teve por objetivo principal estabelecer a relação entre a disseminação da Covid-19, no Brasil, e as rodovias federais. A sintaxe espacial, campo de estudo do urbanismo, foi usada para analisar o espaço e sua relação com as pessoas, sendo o nível de integração das vias o fator dominante. Nesta pesquisa, o nível de integração das rodovias foi aliado ao mapa de densidade de infectados com o vírus, assim permitindo analisar a relação entre os dois. O desenvolvimento deste trabalho se deu pelo estudo de caso ao longo dos meses de janeiro, fevereiro e março do ano de 2020, no Brasil. O estudo foi feito de forma horizontal, pois apenas a repetição dos fatos poderia confirmar ou não um padrão de comportamento. O número de infectados e as características espaciais foram considerados como dados primários, e a sobreposição destes permitiu estabelecer a relação entre as partes. O estudo constatou que as regiões mais atingidas foram as que contam com rodovias mais integradas. As diretrizes propostas visam à otimização dos recursos humanos e econômicos. 

Palavras-chave: Sintaxe espacial; Covid-19; estratégias contra a pandemia; rodovias federais; isolamento preventivo. 

Introdução


O primeiro semestre do ano de 2020 estará para sempre marcado na história: a primeira pandemia da era digital. Nunca foi dada tanta importância à aplicação do georreferenciamento e tecnologia, que permitem saber a exata localização de um evento, tendo todo seu esforço voltado para a Covid-19. Saber onde tudo começou e como é o seu padrão de dispersão são notícias frequentes nos jornais. Talvez a maior dúvida seja como se pode eliminar o coronavírus, e aqui cabe ressaltar que o esforço é multidisciplinar, mas, independentemente do campo de estudo, existem duas abordagens principais: a prevenção e o combate. 

O combate não tem sido feito apenas por aqueles que estão no dia a dia lidando com o problema na linha de frente, sendo necessário ressaltar os atos heroicos dos profissionais de saúde, mas também por aqueles que têm feito sua contribuição de dentro de seus laboratórios, por meio de pesquisas que permitem o melhor entendimento deste fenômeno e a compreensão da doença. A situação que o mundo passa é a de guerra, sendo que a vitória só é possível quando o inimigo é entendido. A busca por compreender o inimigo tem incluído profissionais das ciências biológicas e da saúde, que buscam entender como o vírus funciona, qual o seu ciclo de vida e outras frentes; matemáticos e estatísticos, que buscam formar modelos que possam prever o comportamento e a dispersão do vírus; psicólogos, psiquiatras e sociólogos, que buscam entender os efeitos deste isolamento social na psique humana; e tantos outros profissionais. Geólogos e urbanistas têm estudado os dados georreferenciados colhidos que permitem o estudo do fenômeno que, aliados a outros campos de estudo, possibilitam entender padrões que possam ajudar na prevenção da disseminação dessa doença. 

A Teoria da Sintaxe Espacial foi proposta por Bill Hillier e seus colaboradores da Universidade de Londres, no início da década de 1980 (SABOYA, 2007). E, embora ainda seja considerada algo novo cientificamente, é usada com grande eficácia como ferramenta projetual de novas cidades e no entendimento de padrões comportamentais. Este ramo do urbanismo estabelece que um fenômeno apenas ocorrerá se for possível que o agente possa chegar ao seu destino, criando assim um acontecimento. O conceito de isolamento social (1), ou até mesmo o lockdown (2) , possui o mesmo princípio: uma vez que as pessoas parem de interagir, o vírus não terá como se espalhar, pois o meio de transmissão foi eliminado. 

Foi possível determinar onde tudo começou, Wuhan, China. Mas, hoje, muito mais do que "por onde começou", a sociedade deseja saber como ele se espalha e como se pode combater a sua disseminação. A busca pela vacina ou pelo medicamento que venha a combater esse vírus é de grande ajuda, mas é uma solução somente para os problemas atuais. Um novo vírus pode não ser vencido pela vacina de combate ao coronavírus ou pelo medicamento para a Covid-19, mas explorará as mesmas fraquezas encontradas por este vírus, se alastrando com a mesma facilidade. Apesar da importância de uma solução para a atual pandemia, as pesquisas também devem analisar os fatores que levaram ao êxito da disseminação da Covid-19. Este trabalho pretende contribuir com o planejamento futuro para evitar a situação vivida atualmente

(1) Isolamento social: ficar longe o suficiente de outras pessoas para que o coronavírus - ou qualquer patógeno - não possa se espalhar. É por isso que estabelecimentos, escolas e universidades foram fechados e eventos acabaram cancelados. O Ministério da Saúde recomenda manter uma distância de 2 metros de distância de outras pessoas (UNIFESP, 2020).

(2) Lockdown - Medida obrigatória - Usa a força do estado. Na prática, lockdown é uma palavra em inglês para se referir ao sistema de quarentena. O lockdown é a paralisação especialmente dos fluxos de deslocamento. A ideia é interromper o fluxo, evitar que as pessoas se desloquem e, portanto, se encontrem. Uma consequência disso é a paralisação econômica (UNIFESP, 2020).

Desenvolvimento


O entendimento do padrão de dispersão da doença permitirá o conhecimento e a implementação de práticas que evitem futuras pandemias. A sintaxe espacial se dedica ao estudo de fenômenos que ocorrem devido ao deslocamento pelas vias terrestres, permitindo que fatores relacionados à configuração possam ser medidos matematicamente e visualizados de forma clara, objetiva e impessoal (SIQUEIRA, 2020). Acerca do uso da sintaxe e o mapa axial, Siqueira (2020, p. 36, grifos do autor) diz: 

Ao olharmos o sistema viário, percebemos que algumas ruas se cruzam; nesta região onde as vias se cruzam chamamos de "nó". A teoria dos nós data do final do séc. XIX (ROSA 2012, p. 80) e estuda a topologia, ou seja, estuda a estrutura dos objetos sem se preocupar com o tamanho, formato ou geometria. A partir destas informações, podemos então criar um mapa que codifica o número de nós de cada via. Este mapa nos ajuda a entender com quantas outras ruas ela interage. Reiterando o que disse Saboya (2007) acerca da Sintaxe Espacial e a integração das vias: "das medidas possíveis de análise sintática, a principal é a chamada integração". Ela é útil na previsão de fluxos de pedestres e veículos e no entendimento da lógica de localização de usos urbanos e dos encontros sociais.

Apesar de o vírus ter inicialmente se disseminado por meio de passageiros aéreos, uma vez que estes passageiros chegaram ao seu destino, a disseminação da Covid-19 se fez entre pessoas em seus locais de residência: lares, bairros, cidades e Estados. Este trabalho visou ao estudo das rotas terrestres (principal meio de contato entre cidades), avaliando-se a relação entre as rodovias federais no Brasil e a disseminação do vírus. Os dados da evolução do vírus foram disponibilizados pelo Ministério da Saúde, que, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS.UFRGS, 2020), por meio do software ArcGIS, criou o Painel do Coronavírus, com todos os casos confirmados no Brasil entre 26 de fevereiro e 30 de abril de 2020. 

O estudo relacionou o mapa criado pelo UFRGS com o mapa axial (3) das rodovias federais, onde a integração foi avaliada para determinar essa relação. O mapa axial foi gerado a partir do desenho das rodovias (Mapa 1) no software AutoCad, e sua análise, no software Depthmap. O critério adotado foi observar de maneira visual a relação entre os dois mapas, procurando situações em que os fatos se repetiam e pudessem estabelecer um padrão. O vírus se comporta de forma dinâmica, assim, o estudo avaliou os mapas mencionados também de forma dinâmica, avaliando-se a dispersão por quinzena. Apenas o mês de fevereiro de 2020 foi avaliado como um todo, por não ter sido identificada alteração relevante neste período.  
       
   
  Mapa 1: Rodovias Federais do Brasil    
Fonte: BRASILMINFRA (2020)

(3) Mapa axial: é a forma de representação configuracional que revela a acessibilidade da trama existente por meio de uma escala cromática, de tons de cinza ou espessura de linha. Esta acessibilidade pode ou não corresponder aos fluxos reais, tendo em vista a convergência de diferentes variáveis (incluindo tipos de pavimentação, existência de magnetos, crises políticas etc.) (MEDEIROS, 2006, p. 507).

O mapa axial foi estudado com  foco na integração (4) de uma via com as demais, ou seja, a facilidade existente para se chegar a um determinado local (Mapa 2).  O mapa de integração codifica cada via por cor, sendo seu desempenho demonstrado das cores mais quentes (vermelho) para as mais frias (azul), em que usou-se um raio para o cálculo de n=7. As rodovias com cores mais quentes representam  maior integração; assim, o estudo tentou estabelecer a relação das vias mais integradas como vetores de disseminação do vírus. 
 Mapa 2: Mapa de integração das rodovias brasileiras x contaminação por Covid-19  
 Fonte: Autor (2020).

Ao relacionar os Mapas 1 e 2, pode-se observar que algumas cidades atuam como polos de integração, como as cidades de Juazeiro do Norte (CE), Feira de Santana (BA), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Uberlândia (MG), Brasília (DF), Montes Claros (MG), Porto Alegre (RS) e Cascavel (PR). Além dessas cidades, é possível notar que o trecho ou cruzamento de algumas rodovias também apresenta melhor grau de integração, como se pode ver nos trechos da BR-116 (Rio de Janeiro a Fortaleza); BR-376 (Maringá a Ponta Grossa); no cruzamento entre a BR-232 e a BR-116; e na região de Campos Novos (SC), com a BR-282 a oeste e a BR-470 a leste. Diferentemente do vírus, essa análise pode ser feita de maneira estática, em que apenas a construção de uma nova rodovia alteraria os índices encontrados. Assim, a análise aqui encontrada foi mantida ao longo do tempo. A seguir, pode-se ver os mapas de dispersão do vírus aliados ao mapa de integração:

Quadro 1: Dispersão dos casos confirmados da  Covid-19 ao longo do tempo - 1º/3/2020 a 30/4/2020. Fonte: Autor, com base em mapa da UFRGS (2020).


Os mapas no Quadro 1 mostram o rápido crescimento do número de casos confirmados da COVID-19 no Brasil, fato que fica ainda mais claro ao analisar o Gráfico 1, que o demonstra de forma mais precisa.

 
Gráfico 1 - Infectados com Covid-19 Fonte: Autor (2020), com base em dados do BRASIL.MS (2020).


Para melhor entendimento deste fenômeno, é mostrado o mapa do Quadro 1 de forma individual e ampliada. Assim, foi estudada, primeiramente, a primeira quinzena do mês de março de 2020, como mostra o Mapa 3.
Mapa 3 - Mapa de integração das rodovias brasileiras x contaminação por Covid-19 - 1º/3/2020 a 16/3/2020  
Fonte: Autor (2020).


O Mapa 2 mostra apenas alguns casos registrados em fevereiro, em que as cidades infectadas possuem em comum o grande fluxo de passageiros em seus aeroportos, sendo esta a porta de entrada do vírus em nosso país. Vale ressaltar que o mês de fevereiro foi marcado por um evento nacional popular que dura dia e noite, o Carnaval, aumentando muito o fluxo de passageiros. 

O Mapa 3 retrata a primeira quinzena de março de 2020, em que é notória a mudança, tanto pelo mapa quanto pelo Gráfico 1. Neste período, apenas as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro tiveram um registro significativo, apresentando 64 e 23 casos respectivamente. Foi a partir deste momento, no qual o vírus começou a se fazer notório no Brasil, que sua difusão entre as cidades não ocorreu exclusivamente por via aérea, mas se deu também por meio terrestre.
 
A segunda quinzena de março, mostrada pelo Mapa 4, evidencia a evolução de forma mais clara, possibilitando até mesmo a criação de vetores que apontaram a direção de disseminação da Covid-19.
Mapa 4 - Mapa de integração das rodovias brasileiras x contaminação por Covid - 16/3/2020 a 31/3/2020 Fonte: Autor (2020)


O Mapa 4 mostra maior ocorrência nas capitais brasileiras, o que reforça a tese de que parte da disseminação ocorreu por via terrestre, já que as capitais são interligadas pelas rodovias federais, podendo se destacar as rodovias BR-116 e BR-101, que interligam várias cidades litorâneas, desde o litoral norte ao litoral sul do país. Outra rodovia  evidenciada pelo mapa é a BR-381, que liga Belo Horizonte a São Paulo, e a BR-040, que une Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. As rodovias mencionadas possuem alto nível de integração, reforçando, portanto, a ideia de que as rodovias mais integradas facilitaram a propagação do vírus.

Ainda se tem o fato de que, dentre as capitais, as cidades turísticas tiveram números de contaminados mais expressivos. É preciso lembrar que o vírus possui um período de incubação de até 14 dias (BRASIL.MS.FIOCRUZ, 2020). Assim, o Carnaval e o período de férias letivas deste ano foram de grande contribuição para a propagação da Covid-19. Este fato pode ter demonstrado uma tendência: a disseminação inicial foi principalmente ocasionada pelo turismo. Além do turismo, as regiões de grandes indústrias e produção agrícola também estimulam o 
trânsito de pessoas, neste caso, pessoas de pequenas cidades e zonas rurais tendem a ser contaminadas por pessoas que estiveram nos grandes centros.
 
O mês de março também marcou o início do isolamento social em quase todos os estados da federação, como mostra o Quadro 2(dados retirados dos Decretos de cada estado no ano de 2020): 

O isolamento social marcou um momento em que o trânsito de pessoas nas cidades e entre as cidades foi reduzido ao mínimo necessário. Assim, os próximos casos neste estudo apresentaram pouca ou nenhuma influência de pessoas fora de suas cidades ou estados, havendo a participação predominante da população local de cada cidade. 

Quadro 2 - Data do início do isolamento social por unidade da Federação

Acre 16/03/2020 Maranhão  30/03/2020 Rio de Janeiro  11/03/2020
Alagoas 18/03/2020 Mato Grosso 31/03/2020  Rio Grande do Norte 13/03/2020
Amapá  17/03/2020 Mato Grosso do Sul 16/03/2020 Rio Grande do Sul  01/04/2020
Amazonas 23/03/2020 Minas Gerais 19/03/2020 Rondônia 17/03/2020
Bahia 16/03/2020 Pará  18/03/2020 Roraima 27/03/2020
Ceará 19/03/2020  Paraná 16/03/2020 Santa Catarina 23/03/2020
Distrito Federal 19/03/2020  Paraíba 17/03/2020 São Paulo 13/03/2020
Espírito Santo 13/03/2020 Pernambuco 14/03/2020  Sergipe 16/03/2020
Goiás  13/03/2020 Piauí  23/03/2020 Tocantins  21/04/2020
  Fonte: Autor (2020), com base em Decretos dos estados e territórios. 


Apesar de, até o final do mês de março de 2020, praticamente todas as unidades da Federação terem decretado isolamento social como medida de contenção ao avanço da Covid-19, devido ao tempo de incubação do vírus, os efeitos foram sentidos apenas após a segunda quinzena de abril. 
Mapa 5 - Mapa de integração das rodovias brasileiras x contaminação por Covid - 1º/4/2020 - 15/4/2020 Fonte: Autor (2020).


O Mapa 5 já mostra um número muito grande de cidades infectadas, mas a grande maioria abaixo de 300 casos, como se pode ver pelos círculos laranjas que representam a densidade dos contagiados no local. O contágio do vírus ocorre de forma exponencial (BRASIL.MS.FIOCRUZ, 2020), ou seja, cada contaminado transmite o vírus para, pelo menos,  dezesseis pessoas, como mostra a Figura 1.

Figura 1 - Progressão da contaminação por Covid-19 
Fonte: BBC, 2020.


Assim, duas pessoas contaminam quatro, e assim por diante, gerando uma série exponencial, como mostra o Gráfico 2. Após 20 dias, é possível chegar a 1.048.576 infectados.
Gráfico 2 - Número de infectados x dias  
Fonte: Autor, 2020.


Assim, apenas um indivíduo pode ser o responsável pela contaminação de 300 pessoas em pouco menos de 18 dias, dificultando-se muito apontar um padrão ao alto número de infectados. Apesar das dificuldades, percebeu-se que os fatos observados no Mapa 4 continuam a exercer relação com a dispersão da doença. Além dos fatos elencados para o Mapa 4, é possível notar que a Covid-19 se espalha de forma radial nas capitais, havendo uma maior ocorrência nas cidades mais próximas, que se encontram nas rodovias com melhor nível de integração. Apesar de tanto a BR-116 quanto a BR-101 atuarem como vetores de disseminação do vírus, é percebido que a BR-101 exerce mais influência. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro formaram um grande polo disseminador da doença, pois grande e importantes rodovias que partem destas metrópoles ajudaram a transmitir o vírus. 

O Mapa 5 ainda mostra que Manaus, por estar isolada das demais cidades infectadas, em um estudo futuro, seria a melhor cidade para compreender o comportamento do vírus. Isso se deve ao fato de sua população possuir pouco contato com as demais regiões, havendo pouca influência externa e podendo ser considerada um sistema isolado. Este fato anula o que é conhecido como efeito de borda. 
Mapa 6 - Mapa de integração das rodovias brasileiras x contaminação por Covid-19 - 16/4/2020 a 30/4/2020 
Fonte: Autor (2020).


O Mapa 6 já mostra boa parte do território nacional tomada pelo vírus. Devido ao confinamento, a disseminação do vírus deve ocorrer quase sem a influência do transporte por meio de rodovias, ou até mesmo por meio aéreo. A dispersão passou a ser quase que exclusivamente feita por agentes locais. Ademais, foi possível perceber que os locais que apresentavam altos números continuaram em uma curva ascendente, sobretudo a cidade de São Paulo. O Gráfico 3 mostra algumas das principais cidades afetadas e o seu comportamento durante o período 
deste estudo.

 
Gráfico 3 - Principais cidades afetadas  
Fonte: Autor (2020), com base em dados do Ministério da Saúde (BRASIL.MS, 2020).


Considerações finais


A velocidade com que a Covid-19 se espalhou pelo mundo mostrou a fragilidade do sistema de saúde mundial, nivelando tanto os países mais abastados quanto os mais necessitados. A pandemia vem provocando não só uma crise na saúde, mas apresenta graves efeitos colaterais, sobretudo na economia. A verdade é que, em uma pandemia, pouco se pode fazer para mudar a situação mundial, mas existem diretrizes que podem ser implementadas nas fronteiras para preservar a nação. 

Até 18 de maio de 2020, o Brasil possuía um orçamento, oriundo do Ministério da Saúde, destinado ao combate da Covid-19 de R$ 24.167.950.734,00 (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2020), sendo que apenas cerca de 35% deste montante foi gasto até a data mencionada. O orçamento anual para a Saúde, previsto em 2019, para o ano de 2020, era de R$ 19,3 bilhões (REVISTA EXAME, 2019), ou seja, ainda nem se havia chegado à metade do ano de 2020 e o orçamento anual previsto já havia sido ultrapassado. A pandemia da Covid-19 provocou vários efeitos, que já podem ser sentidos, sendo o econômico e o desabastecimento os mais perceptíveis, mas muito ainda está por vir.

O trabalho parte do pressuposto de que se deve, sim, fazer o possível para conter os avanços do vírus, protegendo a vida ao máximo. Mas o fato é que a situação vivida é de guerra. O planejamento é realizado reativamente, sempre após a movimentação do adversário, Uma vez terminada a batalha, com certeza, haverá vários aprendizados. Certamente, esta não será a última pandemia vivida no Brasil, e este foi o ponto central deste estudo: traçar estratégias de contenção para uma possível nova epidemia, não apenas para preservar a vida, mas também para que cause menos impactos em nosso país, sobretudo na economia. Apesar de o foco ter sido encontrar soluções para futuras pandemias, este modelo não se limita apenas a esta aplicação. As soluções aqui propostas podem ser aplicadas em campanhas de vacinação, epidemias, bem como em outras além da área da saúde. Os pontos de maior integração apontam os lugares onde o controle de fluxo pode ser mais efetivo.

O estudo mostrou que as rodovias e os aeroportos foram os principais difusores do vírus. Com isto em mente, cabem algumas observações quanto às estratégias tomadas. O isolamento social foi necessário, mas possui uma ótica de dentro para fora. Neste estudo, observou-se que essa visão, em que a população foi confinada às suas casas, tende a ser parcial, e não considera o todo. Em um estágio inicial, o oposto tende a ser mais eficaz sob o ponto de vista da sintaxe espacial, como mostra a Figura 2, adotando uma visão macro da situação. 

Figura 2 - Isolamento social x Controle de fluxos 
Fonte: Autor (2020).


O modelo proposto é o de controle de fluxos, em que aeroportos e pontos estratégicos de algumas rodovias fossem monitorados, e apenas as cidades com alto grau de contágio sofressem estratégias, como o isolamento social. Além do aspecto de contenção do contágio, isso levaria a uma enorme economia para a União e as Unidades Federativas. Hoje, os recursos são alocados conforme a necessidade e, por maior que seja o esforço, sempre estão um passo atrás do problema. A mudança de estratégia faria com que os recursos fossem alocados em pontos fixos, e os infectados seriam direcionados até os pontos de controle. Essa política seria ainda proveitosa por conseguir isolar aqueles doentes assintomáticos que, geralmente, são os responsáveis por grande parte da disseminação da doença. Caso aconteça outra pandemia, esse modelo será muito mais produtivo e econômico, estabelecendo uma estratégia que não será apenas momentânea, mas que poderá ser usada em várias outras emergências. 

A sugestão é a criação de setores de triagem em aeroportos, principalmente os que recebem e oferecem voos internacionais, sobretudo em cidades turísticas, com testes rápidos. No caso de contaminação, dentro do próprio aeroporto, deveria haver um pequeno hospital com capacidade para internação de pacientes, assim, o passageiro poderia receber cuidados médicos até o restabelecimento de sua saúde. O estudo mostrou que usar a sintaxe espacial, sobretudo o estudo da integração das vias, é benéfico para traçar estratégias sobre onde colocar pontos de controle. Que fique claro que o intento desta estratégia não é o fechamento das fronteiras, mas o exame dos que ali passarem, de forma a garantir a saúde. A análise do mapa axial e da integração das vias mostrou que a BR-101, a BR-116, a BR-376 e as saídas das cidades de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre são primordiais para o controle de uma pandemia. No caso das rodovias e cidades, poderiam ser construídas pequenas unidades de saúde para os contaminados, perto dos postos de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, ou até mesmo haver carretas preparadas para este serviço, que poderiam se deslocar conforme a necessidade. Essas estratégias seriam muito mais eficazes e menos impactantes do ponto de vista social, possibilitando um impacto econômico muito menor. 

Este estudo levou em conta apenas as rodovias federais, mas o seu aprofundamento, incluindo as estaduais e aliando o nível de integração das vias com dados estatísticos do fluxo de pessoas, refinaria ainda mais as diretrizes aqui propostas. O intuito deste trabalho foi sugerir possíveis diretrizes a serem tomadas em uma futura pandemia, otimizando os recursos humanos e financeiros. Devido à grande disseminação do vírus no Brasil, os pontos aqui mostrados seriam de pouca eficácia no momento presente, devendo ser implementados de forma preventiva.

Referências


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MEDEIROS, V. Urbis Brasília e ou sobre cidades do Brasil: inserindo assentamentos urbanos do país em investigações configuracionais comparativas. 520 f. Tese (Doutorado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2006. Disponível em https://repositorio.unb.br/handle/10482/1557. Acesso em 30 abr., 2019.

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TOCANTINS. Decreto nº 6.083, de 27 de março de 2020. 2020. Disponível em https:// www.legisweb.com.br/legislacao/?id=392927. Acesso em 18 maio, 2020.


Eliete de Pinho Araujo. Mestre em Planejamento Urbano e Tecnologia pela FAU-UnB. Doutora em Saúde Pública pela FIOCRUZ. Pós-doutora pela Universidade de Coruña. Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo na UniCEUB. Coordenadora do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do ICPD-UniCEUB. Professora do Curso de Especialização em Arquitetura de Sistemas de Saúde UCB e do Curso de Especialização em Gestão em Saúde e Administração Hospitalar na Faculdade Laboro.

Maria Eleusa Montenegro. Mestre e doutora em Educação pela UNICAMP/SP (Psicologia da Educação). Pós-doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG). Professora da disciplina Docência do Ensino Superior e Compromisso Social do curso de Mestrado de Arquitetura e Urbanismo e de Licenciaturas do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). 

Paulo Afonso Cavichioli Carmona. Pós-doutorado pela Università del Salento, Itália. Doutor em Direito Urbanístico pela PUC/SP. Mestre em Direito Urbanístico pela PUC/SP. Professor Titular de Direito do Programa de Mestrado/Doutorado de Direito e do Mestrado de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB. Professor de Direito Administrativo e Urbanístico dos cursos de Especialização da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT). 

Paulo Cesar Galante Siqueira. Mestre em Arquitetura pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), com área de concentração Cidade e Habitação e linha de pesquisa Cidade e Infraestrutura Urbana. Como arquiteto, atua com projetos residenciais, comerciais e acústicos. Como urbanista, atua em estudos de viabilidade, infraestrutura e loteamento. É sócio-diretor da empresa A4D Arquitetura e Engenharia Ltda.                      E-mail: paulocgalante@a4d.arq.br.

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