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Publicações Revista IPH Revista IPH Nº 16 Riscos de infecções pela presença do fungo Aspergillus.sp: Reformas em hospitais e sistemas de climatização

Riscos de infecções pela presença do fungo Aspergillus.sp: Reformas em hospitais e sistemas de climatização Watson Freire Dias

1. Introdução 


Os princípios fundamentais que nortearam a escolha e o desenvolvimento do presente artigo foram baseados nos riscos que os ambientes de reforma e equipamentos de ar-condicionado podem representar aos pacientes internados, especialmente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Com base na literatura e em publicações, se procurou abordar quais os riscos oferecidos por microrganismos presentes em áreas com intervenção de obras civis e, ainda, se associados a um sistema de climatização precário, poderiam produzir um potencial efeito contrário à promoção da saúde. Também são apresentados e analisados os relatórios de ensaios microbiológicos realizados na UTI de um hospital de alta complexidade em São Paulo.


2. Tratamento e qualidade do ar interior nos EAS como elemento de cura


Nos Estabelecimentos de Assistência a Saúde (EAS), em especial os hospitais, os projetos de ar-condicionado devem, obrigatoriamente, considerar todas as particularidades dos ambientes e analisar todos os níveis de exigência de cada local, não somente o conforto térmico. Sistemas de condicionamento de ar podem constituir uma importante fonte de microrganismos. Consideráveis volumes de poluentes físicos, químicos e biológicos afetam os trabalhadores e a população de pacientes, em especial aqueles com sistema imunológico depressivo (COSTA, 2007, p. 4).

Ambientes com baixas taxas de troca do ar promovem um avanço quantitativo nos agrupamentos de poluentes químicos e biológicos suspensos no ar, o que, consequentemente, prejudica a saúde da população. Diante dessa constatação, a qualidade do ar interior (QAI) tornou-se objeto de pesquisa de suma importância na área da saúde pública (TURIEL et al., 1983 apud BRICKUS; AQUINO NETO, 1999). O cuidado com os sistemas de ar-condicionado deve ser redobrado, pois quanto mais limpo estiver o ar, menores são as possibilidades de microrganismos indesejáveis e contaminantes serem transportados em suspensão. Esse risco aumenta proporcionalmente em relação às taxas de particulados presentes no ar (BICALHO, 2010).

A preocupação com a qualidade do ar, bem como seu conceito, é aplicável a todas as áreas climatizadas, sem exceção. No entanto, Quadros (2008) destaca que a qualidade do ar em unidades de saúde se torna um fator de maior criticidade, pois pode interferir diretamente na velocidade de recuperação dos pacientes, assim como na prevenção de infecções hospitalares. Estudos dessa natureza têm ainda maior importância quando são consideradas as unidades de tratamento de câncer e doenças imunodepressoras, que afetam os sistemas imunológicos dos pacientes (QUADROS, 2008).

A vasta maioria dos pacientes com acesso a serviços médicos, hoje, é curada. Há uma parcela, no entanto, que sofre de consequências não intencionais do cuidado, tais como as infecções relacionadas à assistência à saúde (SINGH; BRENNAN; BELL, 2008).

Dos ambientes hospitalares, a UTI é um dos mais propícios para o avanço de infecções e desenvolvimento de resistência bacteriana, já que os pacientes estão mais expostos a procedimentos de risco e condições peculiares dessas unidades. A contaminação por microrganismos presentes no ambiente hospitalar é beneficiada pelo estado suscetível do paciente, considerando as condutas terapêuticas e diagnósticas que podem provocar a quebra das barreiras mecânicas da pele e das mucosas (BARBOSA, 2010 apud MORAES; RAU, 2011).

A propagação aérea de esporos de fungos pelo sistema de ventilação do hospital e pelas roupas contaminadas pela perturbação do ar figuram com destaque entre as infecções fúngicas mais frequentes. Elas são importantes responsáveis pela morbidade e mortalidade de pacientes imunocomprometidos (FRARE, 2009).

Tratando das fontes de transmissão de infecção hospitalar através do ar, Dias, Costa e Pataro (2014, p. 31) mostram que:

A importância da avaliação microbiológica do ar ambiente é devida a ocorrência de surtos de infecções por fungos e bactérias frequentemente associados a construções e reformas nos hospitais. Um estudo realizado por VONBERG & GASTMEIER, (2006) avaliou 53 surtos de infecção por Aspergilose invasiva e observou que 49,1% dos casos prováveis ou possíveis de infecções por Aspergillus spp. estavam relacionados a construções e reformas nos hospitais e 17% estavam relacionados a problemas de refrigeração. A fonte de transmissão mais comum foi o ar, sendo o trato respiratório inferior o principal local de infecção, seguido de infecções em feridas operatórias e de pele.

A afirmação acima é complementada por Frare (2009), quando cita Frech (2005), relatando o aumento de casos de Aspergilose em pacientes imunodeprimidos durante períodos de obras e reformas no ambiente hospitalar além da manutenção incerta dos filtros de ar. Salienta, assim, a relevância de haver total integração nos processos de trabalho e comunicação entre as Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e as áreas de engenharia, visando à prevenção dessas infecções e evitando os surtos hospitalares.

Karman (2011) destaca que o fungo Aspergillus, com um diâmetro médio de 2 a 3,5µm, incluindo o esporo, é resistente a desidratação e pode permanecer suspenso no ar por tempo indeterminado se associado à poeira e à umidade. 

Figura 1 - Fungo Aspergillus
Crédito: Mogana Das Murtey and Patchamuthu Ramasamy [CC BY-SA 3.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)

As tecnologias modernas dos sistemas de climatização podem contribuir para aumentar a qualidade do ar interno em relação ao externo, pois é possível dimensionar sistemas apropriados de filtragem e controle de temperatura com regulagens que possibilitem atender a diversas condições específicas. Contudo, devem ser empregadas com plena consciência dos impactos desfavoráveis para a saúde humana. Embora os filtros retirem partículas indesejáveis e partículas respiráveis do ar provenientes do meio externo, estes formam um ambiente para o desenvolvimento de uma multiplicidade de bactérias e outros agentes infecciosos. Desta forma, se faz necessário prever os custos de manutenção do edifício para acompanhamento e substituição periódica dos filtros (STERLING; COLLET; RUMEL, 1991).

Dentre as diversas doenças existentes, provocadas por fungos e bactérias que se propagam pelos sistemas de climatização nos hospitais e estabelecimentos de saúde como um todo, o gênero Aspergillus revela-se um dos principais agentes responsáveis pelas infecções fúngicas, apresentando altos índices de mortalidade, entre 68% e 95% (FRARE, 2009). Como afirma Bernal (2015):

Aspergillus spp. é uma saprófita oportunista amplamente distribuída na natureza. Pode causar uma ampla gama de doenças que vão desde alergias a infecções invasivas em seres humanos. A Aspergilose invasiva (IA) é a infecção mais grave causada por Aspergillus spp. Ela afeta principalmente os pulmões de pacientes imunossuprimidos e é capaz de migrar para órgãos profundos. (BERNAL, 2015, p. 315, tradução nossa).

A Aspergilose é uma das infecções fúngicas mais recorrentes em pacientes imunocomprometidos, sendo a causa dominante dos óbitos entre esses pacientes. A doença é adquirida por inalação dos esporos fúngicos existentes no sistema de ventilação dos hospitais; do ar contaminado por construções e reformas; e da poeira e materiais contaminados. Unidades de tratamento de câncer e transplantes, com destaque para aquelas que não possuem sistema de filtragem e renovação do ar, são ambientes de elevado risco para surtos de Aspergilose (FRARE, 2009). 


3. Ensaio de qualidade do ar interior da UTI de um hospital especializado de alta complexidade


Com o objetivo de testificar a presença do fungo Aspergillus no setor, serão apresentados e analisados, a seguir, os resultados de ensaios microbiológicos do ar captado na área coletiva de tratamento da UTI de um hospital especializado de médio porte e alta complexidade, pertencente à rede pública estadual e localizado no município de São Paulo.

A UTI desse hospital passou por reforma no primeiro semestre de 2017, que foi concluída no mês de julho do mesmo ano. Para essa pesquisa, foram escolhidas estrategicamente três coletas de amostras da qualidade do ar, sendo: a primeira em dezembro de 2016, em condições normais antes do início da reforma; a segunda logo após o fim das obras, em agosto de 2017; e, a última, em novembro. Em agosto, foi realizada a substituição dos filtros finos e absolutos no sistema de condicionamento de ar que supre o local. Todo o sistema recebe manutenção preventiva periodicamente e corretiva quando necessário sob responsabilidade técnica de um profissional engenheiro mecânico. Antes da reforma, foi elaborado um plano imprescindível e contingencial com a equipe de CCIH da Instituição, visando causar menor impacto aos pacientes e demais áreas hospitalares.

Figura 2 e 3 - Substituição de filtro-bolsa F7 saturado, agosto de 2017
Fonte: Acervo pessoal.

As análises da qualidade do ar interior foram realizadas sob as recomendações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ISO/IEC 17025, NBR 10719 e da Resolução - RE nº 09, do MS/ANVISA, de 16 de janeiro de 2003. Com base nos parâmetros normativos, seguem os resultados obtidos nos três ensaios:

Tabela 1 - Norma Técnica 01
Fonte: Relatório de ensaio da qualidade do ar interno. Acervo pessoal.


Tabela 2 - Normas Técnicas 2 e 3
Fonte: Relatório de ensaio da qualidade do ar interno. Acervo pessoal.


Tabela 3 - Norma Técnica 04
Fonte: Relatório de ensaio da qualidade do ar interno. Acervo pessoal.


No que se refere às Normas Técnicas expostas, quantitativamente, todos os resultados se apresentam dentro dos níveis aceitáveis. Entretanto, sob a ótica qualitativa, se verifica na tabela referente à Norma Técnica 001 a presença do fungo Aspergillus no ambiente em período quase concomitante ao da execução das obras.

A partir disso, com base teórica, é possível constatar de fato que a presença desse microrganismo está relacionada diretamente ao período da intervenção, corroborando o que afirma Karman (2011, p. 151):

A agitação provocada por obras e reformas, principalmente em ambientes de EAS, podem dispersar poeiras contendo esporos aerotransportados de fungos Aspergillus, potencialmente letais para pacientes imunodeprimidos. O fungo Aspergillus, que tem de 2 a 3,5 µm de diâmetro, é encontrado em solos, ambientes úmidos e vegetais em decomposição. Encontra-se também presente em sistemas de ventilação que estejam funcionando inadequadamente: filtros de ar, aparelhos de ar-condicionado de janela, exaustores, forros falsos, forros acústicos, canteiros de obras, portas ou janelas expostas, aspiradores de limpeza hospitalar, plantas ornamentais, pombos etc. A poeira proveniente de obras vizinhas também pode afetar o EAS, pois o Aspergillus é esporulado e veiculado pelo ar (airbone bactéria). A umidade do ambiente também contribui para sua proliferação. Assim, equipamentos e instrumental colonizados com o fungo, quando armazenados em ambientes úmidos, podem tornar-se fontes de infecção.

Apesar da constatação da presença do fungo em quantidade dentro dos parâmetros, é reforçado que as precauções relacionadas aos ambientes de reforma são imprescindíveis para manter as manutenções nos sistemas de climatização dos ambientes atualizadas e, assim, evitar que estes se constituam em um agente potencializador de riscos. Nessa intervenção especificamente, não foram constatadas, pela CCIH, infecções que indiquem o Aspergillus como principal fonte causadora. Porém, claro, ele representa uma ameaça especialmente aos pacientes, e também a outros usuários e colaboradores.


4. Conclusão

Neste artigo, foi possível concluir que reformas em ambientes hospitalares aumentam a circulação do Aspergillus.sp no espaço, com risco maior ao setor de UTI. Portanto, a prudência na montagem das barreiras físicas e, sobretudo, a adequada manutenção dos sistemas de climatização podem evitar o alojamento e a disseminação desse fungo pelos dutos, representando potenciais riscos aos pacientes. No caso apresentado, não é possível afirmar que a fonte do microrganismo estava associada diretamente ao sistema de climatização, contudo, a manutenção realizada no equipamento de ar-condicionado certamente colaborou para isolar e negativar o crescimento do fungo Aspergillus.sp no ambiente.

De fato, fica claro que o presente tema é de grande expressividade e merece atenção especial. Sobretudo, serve de alerta para as ameaças decorrentes da circulação de fungos com maior risco patogênico e faz jus ao aprofundamento com foco na aplicação hospitalar por profissionais que despendam um olhar sensível a essas questões e vislumbrem o futuro das edificações para, efetivamente, prover a assistência à saúde.



Referências


BERNAL, M. L.; ALASTRUEY, I.; CIENCA, E. M. Diagnostics and susceptibility testing in Aspergillus. 2015. Disponível em: <https://www.id-hub.com/2017/02/24/diagnostics-susceptibility-testing-aspergillus/>. Acesso em: 12 dez. 2017.

BICALHO, F. de C. A Arquitetura e a Engenharia no controle de infecções. Rio de Janeiro: Rio Books, 2010. 135 p.

BRICKUS, L. S. R.; AQUINO NETO, F. R. de. A qualidade do ar de interiores e a química. Química nova, v. 22, n. 1, p. 65-74, 1999.

COSTA, M. R. Recomendações para o controle de qualidade do ar climatizado. 2007. 12 f. Tese (Doutorado) - Curso de Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2007.

DIAS, R. S.; COSTA, P. D.; PATARO, C. S. Ambiente hospitalar como fator de risco para a ocorrência de infecções oportunistas por Staphylococcus Aureus Multirresistentes. Periódico Científico do Núcleo de Biociências: Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 27-35, ago. 2014.

FRARE, F. Infecção hospitalar por aspergillus: análise da implantação de uma unidade de ambiente protegido. 2009. 28 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Curso de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

KARMAN, J. B. Manutenção e segurança hospitalar preditivas. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. 437 p.

MORAES, F. M.; RAU, C. Infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS): impacto na saúde e desafios para seu controle e prevenção. 2011. 17 f. Monografia (Especialização) - Curso de Pós-graduação em Vigilância Sanitária, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2011.

QUADROS, M. E. Qualidade do ar em ambientes internos hospitalares: parâmetros físico-químicos e microbiológicos. 2008. 135 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

SILVA, E. B.; GOMES, S. R. Ar-condicionado: herói ou vilão em unidades de terapia intensiva? REINPEC: Revista Interdisciplinar do Pensamento Científico, Itaperuna, v. 1, n. 1, p. 222-232, jan. 2015.

SINGH, N.; BRENNAN, P. J.; BELL, M. A compedium of strategies to prevent healthcare-associated infections in acute care hospitals: um compêndio de estratégias para a prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde em Hosp. Infection Control And Hospital Epidemiology, Cambridge, v. 29, n. 10, p. 901-994, out. 2008.

STERLING, T. D.; COLLET, C.; RUMEL, D. A epidemiologia dos "edifícios doentes". Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 56-63, jan. 1991. 


Referências normativas


ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Importância dos projetos de sistemas de climatização em estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS). Brasília: Anvisa, 2009. 4 p.

______. RDC nº 50 Normas para projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. 2. ed. Brasília: Anvisa, 2004. 160 p.

______. Resolução RE nº 09, de 16 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União, Orientação técnica elaborada por Grupo Técnico Assessor sobre padrões referenciais de qualidade do ar interior em ambientes climatizados artificialmente de uso público e coletivo. Brasília, DF: Imprensa Oficial, 20 jan. 2003. n. 14, Seção 1, p. 35-37.

BRASIL. Constituição (1992). Portaria nº 930, de 27 de agosto de 1992. Infecção Hospitalar: Ministério da Saúde. Disponível em <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAr90AL/portaria-n-930-27-agosto-1992>. Acesso em: 21 jun. 2017.

BRASIL. Constituição (1998). Portaria nº 3.523, de 28 de agosto de 1998. Regulamento Técnico. Procedimentos de verificação de limpeza, remoção de sujidades por métodos físicos e manutenção do estado de integridade e eficiência de todos os componentes dos sistemas de climatização.
 


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