Publicações Revista IPH Revista IPH Nº19 Evolução da edificação hospitalar, seu alinhamento com as ciências médicas e o cuidado com o paciente na cidade de São Paulo
- Editorial Revista IPH Nº19
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- Evolução da edificação hospitalar, seu alinhamento com as ciências médicas e o cuidado com o paciente na cidade de São Paulo
No decorrer da história de São Paulo, as edificações hospitalares revelaram que o fator cultural foi determinante em sua concepção. No período colonial, a assistência médica era oferecida pela igreja, com caráter filantrópico.
O desenvolvimento das ciências médicas, ocorrido, em especial, na Europa, durante o século XIX, promoveu a adoção da tipologia pavilhonar nas edificações hospitalares. Com o crescimento da população e o avanço da tecnologia, as edificações hospitalares do século XX adotaram o partido do monobloco, e o hospital passou a ser uma máquina de cura.
Este artigo teve como objetivo discutir a evolução das edificações hospitalares e o seu
alinhamento com a ciência e a cultura do cuidado com o paciente, ocorridos na
cidade de São Paulo. Este embasamento histórico permite estabelecer parâmetros
futuros para serem adotados no conceito sobre hospital.
Palavras-chave: arquitetura hospitalar, tipologia arquitetônica, cuidado com o paciente.
1. Introdução
A cidade de São Paulo passou por movimentos científicos, culturais, políticos e administrativos que tiveram um significativo impacto em sua malha urbana, na sociedade e também nas edificações hospitalares, conforme figura 1.
2. Período colonial e as edificações para saúde
A parte final do século XVIII apresentou uma gradativa difusão da teoria miasmática, pela qual o meio físico se tornava fonte para transmissão ou causa das doenças. As políticas sanitárias consistiam em medidas preventivas para o combate de doenças, delimitando os locais a serem instalados os equipamentos tidos como fontes de miasmas. Este conceito trouxe impactos sobre as construções arquitetônicas e o espaço urbano. Pela análise da Planta da Imperial Cidade de São Paulo? ? 1841, se observa uma concentração de equipamentos, tidos como poluidores, localizados nas extremidades Norte e sul da cidade (Costa, 2011).
3. Estabelecimentos hospitalares durante o império
O projeto do Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência, de 1873 a 1876, de Manuel Gonçalves da Silva Cantarino, revela a introdução de conceitos higienistas nas edificações hospitalares. Estes conceitos também ficaram evidentes no projeto do Hospital dos Variolosos, projetado pelo engenheiro Inácio Wallace da Gama Cochrane, de 1878 a 1880. A edificação foi idealizada e composta por um sistema linear, com duas enfermarias laterais unidas por um corpo central (Campos, 2011).
No entanto, a edificação que representou um marco na arquitetura hospitalar desta época foi a nova sede do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, construída entre 1881 e 1884. A seleção do projeto do engenheiro Luiz Pucci para o hospital ocorreu por meio de um concurso. O partido adotado foi o sistema pavilhonar, em que as enfermarias eram edificações independentes, unidas por corredores de circulação, que formavam os limites de um pátio central. Os pavilhões eram providos de amplas aberturas voltadas para o sentido Leste-Oeste e separados por um jardim, privilegiando a iluminação e a circulação de ar. Este conceito estava alinhado com o sistema adotado na Europa desde o século XVIII (Campagnol, 2014; Silveira, 2019).
4. O sistema de saúde entre a Primeira República até os dias atuais
Rino Levi e seu sócio, o também arquiteto e engenheiro Roberto Cerqueira César, tiveram notável contribuição para a arquitetura moderna de São Paulo. Entre seus projetos, estão a Maternidade do Hospital das Clínicas, projeto que, embora não tenha sido executado, foi ganhador de prêmios de arquitetura e se destacou em diversas publicações mundiais. Também foram responsáveis pelo projeto do Hospital Antônio Cândido Camargo, atual Instituto do Câncer, em 1954, e do Hospital Albert Einstein, em 1958. Nestes projetos houve a preocupação com a organização da circulação, o agrupamento das funções com divisão em blocos interligados e a flexibilidade dos espaços para comportar futuras modificações (Belleza, 2003; Aranha, 2008; Costa, 2011).
A ampliação gradativa de programas para o atendimento da população, como o Instituto Nacional de Previdência Social ? INPS, em 1966, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social ? INAMPS, em 1977, e, por fim, o Sistema Único de Saúde ? SUS, em 1988, gerou um crescimento expressivo da demanda por novas unidades hospitalares. O resultado foi a intensificação do esforço, por parte do Ministério da Saúde, para normatizar e padronizar as edificações hospitalares. Entre 1965 e 1974, o Ministério da Saúde publicou normas e dimensionamentos mínimos para a construção de hospitais, sendo substituídas posteriormente pela Portaria n.º 400, de 1977, e pela Portaria n.º 1884, de 1994, que vigoraram até a publicação da RDC n.º 50, de 20 de março de 2002, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ? ANVISA. Estas legislações normativas definiram aspectos como o dimensionamento dos ambientes, o escopo do projeto e as etapas projetuais (Toledo, 2020).
De acordo com a análise do mapa digital da Cidade de São Paulo, disponível pelo portal GeoSampa, foram identificadas 217 unidades hospitalares, 463 Unidades Básicas de Saúde ? UBS e 55 estabelecimentos de atendimento de urgência no município. A localização destes equipamentos não se encontra de forma homogênea. Verifica-se que os estabelecimentos hospitalares estão concentrados nas regiões centrais, que apresentaram números mais baixos de UBS. À medida que ocorre o afastamento destes distritos, há uma inversão: as edificações hospitalares aparecem em menor quantidade, e o número de UBS aumenta (PMSP, 2022).
Os distritos que apresentaram um maior número de estabelecimentos hospitalares foram Bela Vista, com 19 unidades, e Vila Mariana, com 22 unidades. De acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social ? IPVS, também disponível no GeoSampa, estes distritos estão classificados, essencialmente, como grupo 1, de baixíssima vulnerabilidade. Demonstrando a tendência de valorização da malha urbana que estes equipamentos promoveram. Alguns distritos mais periféricos, caracterizados como grupo 5, de vulnerabilidade alta, e como grupo 6, de vulnerabilidade muito alta, possuíam um número menor de edificações hospitalares, como ocorreu na subprefeitura de Campo Limpo, Cidade Ademar e Perus (PMSP, 2022).
O resultado das políticas de sistematização e economia geraram uma carência nas edificações hospitalares públicas, que, em sua maioria, se apresentam áridas e estritamente funcionais. Esta linguagem arquitetônica destoa das pesquisas científicas desenvolvidas nas últimas décadas, como, por exemplo, o evidence-based design, em que a edificação passa a ser uma forma de tratamento ao paciente e aprimora a eficácia da equipe técnica (Guelli, 2005). As deficiências da rede pública de saúde abriram espaço para a iniciativa privada, regulamentada através da lei n.º 9656, de 1998, com a definição de regras para atuação dos planos privados de assistência médica (Toledo, 2020).
A crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19 intensificou os questionamentos sobre a atual estrutura hospitalar, expondo a necessidade de adaptação da edificação para comportar novas demandas. Com isso, os debates sobre o hospital do futuro, cujo foco, principalmente, era a introdução de recursos tecnológicos, foram ampliados. Instigando essa discussão, o Office for Metropolitan Architecture ? OMA e seu sócio, o arquiteto Reinier de Graaf, produziram um manifesto visual, por meio do filme The Hospital of the Future. Exibido na 17ª Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2021, o curta-metragem expôs os problemas do atual modelo de saúde, assim como a necessidade de edificações autossuficientes e tecnológicas contextualizadas na malha urbana. As discussões levantadas no manifesto foram ampliadas no desenvolvimento do Plano Diretor para o Distrito de Saúde de Al Daayan, também elaborado pelo Office for Metropolitan Architecture. Neste projeto foram propostas unidades modulares, que podem ser reconfiguradas de diversas formas, utilizando impressão 3D, automatização do sistema e com uso de energia solar, para garantir o funcionamento de forma autônoma, impactando a prática clínica e o modelo de cuidado com o paciente.
5. Considerações finais
BELLEZA, G. Roberto Cerqueira César (1917-2003). Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 038.07, Vitruvius, jul. 2003 (ISSN 1809-6298). Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.038/671. Acesso em: 12 ago. 2022.
CAMPOS, E. Hospitais paulistanos: do século XVI ao XIX. Informativo Arquivo Histórico de São Paulo, 6 (29): Abr/Jun.2011. Disponível em: http:// www.arquiamigos.org.br/info/info29/i-estudos.htm#VOLTA021. Acesso em: 12 ago. 2022.
COSTA, R. G. R. Arquitetura Hospitalar em São Paulo. In: MOTT, M. L.; SANGLARD, G./organizadoras. (2011). História da saúde em São Paulo: instituições e patrimônio arquitetônico (1808 - 1958). Barueri, SP: Minha Editora, 2011, p: 25-61.
GRAAF, R.; OMA. The hospital of the future. 2021. Disponível em: https:// www.oma.com/projects/the-hospital-of-the-future. Acesso em: 12.08.2022.
GRAAF, R.; OMA; SQUINT. Al Daayan Health District Masterplan. 2022.
Disponível em: https://www.oma.com/projects/al-daayan-health-districtmasterplan. Acesso em: 12 ago. 2022.
GUELLI, A. e ZUCCHI, P. A influência do espaço físico na recuperação do paciente e os sistemas e instrumentos de avaliação. Revista de Administração em Saúde, Brasília, Brasil ? vol. 7: (27), abr-jun, 2005.