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Publicações Revista IPH Revista IPH Nº19 A experiência de Jarbas Karman nos anos de SESP

A experiência de Jarbas Karman nos anos de SESP Arq. Me. Erick Rodrigo da Silva Vicente

Este artigo tem como objetivo realizar uma aproximação da produção arquitetônica de Jarbas Karman no período em que trabalhou para o SESP ? Serviço Especial de Saúde Pública.

O SESP foi criado em 1942 com o intuito de sanear territórios produtores de matéria-prima, além de capacitar profissionais por meio de intercâmbios. Karman trabalhou na instituição entre os anos de 1949 e 1951, sendo responsável, entre outros trabalhos, pelo projeto da Maternidade Escola de Belém (1949) e do hospital sobre palafitas, em Marabá (1950).

A experiência no SESP foi de grande importância para a formação profissional de Karman. Fez com que o arquiteto tivesse contato direto com a realidade do interior do país e entendesse que o edifício hospitalar precisava de maior atenção ao ser planejado e administrado.

Palavras-chave: Jarbas Karman, Sesp, arquitetura, hospital.


1. Introdução

A arquitetura de hospitais modificou-se intensamente ao longo do século XX no Brasil. Levando em conta os escritos de Lauro Miquelin (1992), Luiz Carlos Toledo (2006), Renato da Gama-Rosa Costa (2011), Ana Amora Albano (2014), Elza Costeira (2014) e Antônio Pedro Alves de Carvalho (2014), pesquisadores dedicados à pesquisa desse tema, pode-se dizer que a arquitetura dos hospitais passou por três mudanças paradigmáticas: primeiro, a adoção do modelo pavilhonar francês oitocentista como melhor solução projetual e construtiva (entre as décadas de 1900 e 1930); segundo, a verticalização dos edifícios, inspirada, inicialmente, nas experiências estadunidenses da virada do século e, posteriormente, no modernismo europeu, principalmente na arquitetura de Le Corbusier (entre as décadas de 1930 e 1950); terceiro, a crítica e o rompimento dos modelos preestabelecidos, retomando algumas das ideias do século XIX, valorizando o bem-estar dos pacientes e incorporando as práticas administrativas e operacionais mais avançadas à época.

Esta terceira mudança paradigmática teve como um de seus protagonistas o arquiteto Jarbas Karman, que dedicou 59 anos de sua carreira ao projeto, à pesquisa e ao ensino na área da arquitetura, engenharia e administração das instituições hospitalares.

Sua trajetória se inicia no Sesp ? Serviço Especial de Saúde Pública, braço do governo brasileiro que possuía como um de seus objetivos a realização de obras de equipamentos e infraestrutura na área sanitária. Karman trabalhou por cerca de um ano na instituição, porém essa experiência foi fundamental para a sua formação profissional.

O objetivo deste artigo é realizar uma análise de algumas das experiências do arquiteto Jarbas Karman durante esse período.


2. Jarbas Karman: um arquiteto em busca de conhecimento

Nascido na cidade de Campanha, interior do estado de Minas Gerais, Jarbas Bela Karman se interessou pelo planejamento hospitalar ainda durante a sua especialização como arquiteto. Primeiro, formou-se engenheiro civil, em 1941, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo ? Poli USP. Durante a graduação, cursou o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), tornando-se segundo tenente da reserva do Exército. Com a dupla titulação ? tenente e engenheiro ? prestou serviço militar durante a Segunda Grande Guerra, em 1942, no Norte do Brasil, colaborando com a construção de fortificações.


No início da década de 1940, no estado de São Paulo ? local onde Karman viveu a maior parte de sua vida ? as escolas de Arquitetura não haviam se emancipado do curso de Engenharia. A primeira a surgir foi a Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1947 e, um ano depois, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo ? FAU USP. Antes do surgimento das faculdades de Arquitetura, a formação se dava como uma extensão do curso de Engenharia Civil.


Ao retornar do serviço militar, Karman cursou Arquitetura, formando-se em 1944, também pela Poli USP. Durante a especialização, interessouse pelo planejamento de hospitais, pois, de acordo com o próprio Karman, não obtinha respostas quanto às dúvidas surgidas durante o ateliê de projeto sobre o tema, que, na época, era obrigatório para a formação do arquiteto¹.


Em 1949, seguindo seu desejo de trabalhar na área da saúde pública, foi admitido no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp). O cargo consistia em desenvolver e supervisionar projetos de construção, reformas e adequações de instituições de saúde para a população ribeirinha no Vale Amazônico e no Vale do Rio São Francisco. 


Karman trabalhou no Sesp durante cerca de um ano. Mudou-se com sua esposa para Belém do Pará e passou a desenvolver projetos de hospitais e centros de saúde para diversas cidades brasileiras.


Os depoimentos e manuscritos constantes em seu acervo indicam que a experiência pelo Sesp foi fundamental para a sua formação. Ao ter contato com a população ribeirinha e com povoados que não dispunham de saneamento básico e educação sanitária, além dos parcos recursos para construir, reformar ou atualizar as unidades assistenciais, compreendeu que a arquitetura deveria, para atingir bons resultados na área da saúde pública, irmanar-se à gestão hospitalar, além, obviamente, de compreender as questões sociais, culturais, econômicas e geográficas locais para aplicar os recursos da melhor maneira possível.


O Sesp foi criado a partir de uma parceria entre Brasil e EUA (assunto que será tratado mais adiante). A parceria previa a concessão de bolsas e custeio para formação de profissionais no exterior. Sabendo disso, Karman pleiteou uma bolsa para cursar o mestrado em Arquitetura de Hospitais da Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut. A bolsa foi concedida e ele partiu para a América do Norte em 1951.


Sua experiência no exterior foi bastante ampla: viajou pelo Canadá e por dezenas de cidades nos EUA. Frequentou cursos sobre centros cirúrgicos e centrais de esterilização em Ontário, planejamento de hospitais em Nova York e segurança em hospitais em Boston.


Após concluir o mestrado, em 1952, retornou ao Brasil, fundou, na cidade de São Paulo, seu escritório de projetos e iniciou uma campanha para divulgar os conhecimentos que adquiriu durante sua experiência no Sesp e com seus estudos na América do Norte.


Ao longo de sua carreira, o arquiteto colaborou com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação; participou de conferências, congressos e seminários e proferiu aulas e palestras no Brasil e no exterior; publicou mais de uma centena de artigos em periódicos nacionais e internacionais e escreveu três livros: ?Iniciação à Arquitetura Hospitalar? (1972), ?Manual de manutenção hospitalar? (1994) e ?Manutenção e segurança hospitalar preditivas? (2011 ? lançado postumamente), além de participar como organizador e autor da publicação ?Planejamento de Hospitais? (1954). Foi membro de diversas instituições voltadas à área hospitalar, inclusive no exterior, em que se destacam o ?Grupo de Saúde Pública da União Internacional dos Arquitetos? (UIA-PHG) e o ?The American Public Health Association?; participou de diversas comissões para a elaboração de resoluções e normas técnicas de instituições como Anvisa e ABNT. Sob o comando do seu escritório, desenvolveu mais de 300 projetos arquitetônicos de edifícios assistenciais de saúde (EAS), entre novas construções, reformas, ampliações e reformulações de diferentes escalas e programas.


Faleceu em São Paulo, no dia dois de junho de 2008.


Em um artigo escrito para a Revista IPH, no ano de 2004, Karman afirma que o Sesp teve o mérito de ser seu ?estágio brasileiro preparatório? para sua formação na América do Norte e para a criação do IPH (Karman, 2004, p. 7). Para contribuir com as pesquisas sobre as transformações dos hospitais brasileiros e para a documentação da obra de Jarbas Karman, é preciso conhecer melhor as ações desse serviço vinculado ao governo brasileiro e a atuação do arquiteto enquanto seu colaborador.


3. Arquitetos do Sesp


Pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, com o acirramento das relações com a União Soviética, os estadunidenses criaram um programa de cooperação internacional entre as nações aliadas, com o intuito de estreitarem as relações político-econômicas, conhecido como Ponto IV. O Brasil foi um dos países favorecidos com recursos oriundos desse programa, destinados ao desenvolvimento técnico-científico em diversas áreas, entre elas, o campo sanitário.


Um dos desdobramentos dessa cooperação foi a criação do Serviço Especial de Saúde Pública ? Sesp. Configurada como uma agência bilateral, foi criada pelo governo brasileiro com recursos e sob as orientações do governo dos EUA após a Terceira Reunião de Consulta aos Ministérios das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, em 1942.


Os principais objetivos do Sesp consistiam em promover o saneamento básico das regiões responsáveis pela produção de matérias-primas estratégicas para a guerra, como borracha, minério de ferro e mica (Adriano; Pessoa, 2017). Era preciso melhorar a saúde dos trabalhadores da região amazônica e do Vale do Rio Doce.


A pesquisadora Lina Rodrigues Faria afirma que:


Desde o século XVI várias doenças como a malária, a varíola, o sarampo, a ancilostomíase, a disenteria e a febre amarela acometiam grande parte da população livre e escrava no Brasil? (Faria, 2006).


Faria ressalta em seu texto que a malária foi o caso mais significativo, sendo que na região amazônica havia vastas áreas endêmicas da doença?. As populações ribeirinhas dos vales do Rio São Francisco e do Rio Doce foram duas das que mais sofreram com a ação devastadora da doença.


Para contribuir com o saneamento básico dessas regiões, o Sesp contratou arquitetos para desenvolver projetos de construção e reforma de unidades de saúde. Fato de grande importância no país, considerando que a participação dos arquitetos no setor só se intensificaria a partir da segunda metade do século XX2.


O professor e pesquisador Antônio Pedro Alves de Carvalho, em um artigo sobre as normas brasileiras de projeto e construção de hospitais, destaca a participação do Sesp nesse processo:


O Sesp atuou em diversos programas de saúde e saneamento rural até sua extinção, em 1990. Um dos grandes avanços desse serviço, na época, foi a formação de especialistas em cursos nos Estados Unidos. Esse intercâmbio de conhecimentos também abarcou a arquitetura, com a criação da seção de arquitetura hospitalar? (CARVALHO, 2017, p. 22).


Um dos desdobramentos da atuação dos arquitetos no Sesp foi a criação do guia ?Padrões Mínimos Hospitalares? (BRASIL, 194?), com orientações técnicas para o projeto de hospitais gerais de pequeno e de médio porte. De autoria dos arquitetos cariocas Roberto Nadalutti e Oscar Valdetaro3, a publicação possui textos, plantas arquitetônicas e listas detalhadas de mobiliário e equipamentos. Carvalho aponta que esse guia ?pode ser considerado a base de toda a legislação na área da arquitetura de EAS no Brasil? (Carvalho, 2017, p.24).


Como mencionado acima, o intercâmbio de profissionais entre Brasil e Estados Unidos é outro fator importante para entender as contribuições do Sesp para as transformações dos edifícios hospitalares. Karman, Nadalutti e Valdetaro se beneficiaram de bolsas para estudar na América do Norte. Segundo o arquiteto e professor Luiz Carlos Toledo, além do mestrado de Karman em Yale, os três arquitetos fizeram um curso de especialização oferecido pelo Public Health Service, Division of Hospitals Facilities, em 1952, nos EUA (Toledo, 2020, p.38).


A produção desses arquitetos nesse período ainda é muito pouco conhecida.


Não há informações mais detalhadas sobre seus projetos e feitos.


Considerando a importância que o próprio Karman destaca que o Sesp teve em sua formação, faz-se importante conhecer melhor sua produção anterior ao seu mestrado nos EUA.


4. Dois hospitais projetados por Karman para o Sesp


Informações constantes na Coleção Jarbas Karman, que integra o Acervo IPH, apontam que o arquiteto desenvolveu ao menos dez projetos de edifícios de saúde enquanto trabalhou para o Sesp, em cidades localizadas nos estados do Pará, da Paraíba, de Pernambuco, da Bahia e de Minas Gerais.


Não há desenhos de todos os projetos no acervo, o que impede uma pesquisa mais profunda sobre sua produção antes de sua viagem à América do Norte. Porém, o arquiteto conseguiu conservar desenhos de dois projetos desse período, que serão apresentados a seguir.


4.1. Maternidade Escola de Belém


O primeiro hospital projetado por Karman foi a Maternidade Escola de Belém do Pará, em 1949. De considerável monumentalidade para a região, o edifício ocuparia aproximadamente um terço do quarteirão conformado pela avenida José Bonifácio, pela avenida Gentil Bitencourt, pela rua Deodoro de Mendonça e pela rua Farias de Brito.


O lote estava reservado, à época, para a construção do Estádio Municipal de Belém. Como é possível ver na prancha de implantação (imagem 1), o projeto é composto por uma lâmina de seis pavimentos implantada na diagonal nordeste-sudoeste do lote, conectada por uma passarela a um volume de forma trapezoidal de altura equivalente a quatro pavimentos.


Imagem 1. Prancha de implantação da Maternidade Escola de Belém Fonte: Acervo IPH/Coleção Jarbas Karman.


Na segunda prancha, que contém uma perspectiva do conjunto, é possível observar que a lâmina possui um amplo beiral na cobertura e balanços generosos em todos os pavimentos em suas quatro faces, que poderiam ser utilizados como varandas ou corredores abertos. Já o volume trapezoidal, que abrigaria o auditório, possui conceito formal e estrutural semelhante às propostas para o Palácio do Sovietes, de Le Corbusier e Pierre Jeannereti (Moscou, 1931); para o Auditório da Universidade do Brasil, de Lúcio Costa e equipe (Rio de Janeiro, 1936); e para o Teatro Municipal de Belo Horizonte, de Oscar Niemeyer (Minas Gerais, 1943); em que os pilares externos e as vigas da cobertura, organizados em eixos radiais, sustentam o volume principal, com parte dele suspenso do chão.


Imagem 2: perspectiva da Maternidade Escola de Belém. Fonte: Acervo IPH/Coleção Jarbas Karman.


Ainda na prancha de implantação, Karman apresenta os estudos que orientaram a implantação do conjunto. O arquiteto considerou, para a disposição dos volumes, a melhor insolação e o aproveitamento dos ventos dominantes.


O edifício não foi construído de acordo com as ideias de Karman. Em uma pesquisa recente, desenvolvida por Aristóteles Guilliod de Miranda, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, e publicada no site do Laboratório Virtual ? FAU ITEC UFPA (2015), houve significativas mudanças no projeto original. A justificativa foi que era preciso adequar a proposta à legislação vigente. Algum tempo depois, foi destinado a abrigar o Colégio Augusto Meira, passando por uma mudança drástica de uso. O projeto construído guarda poucos vestígios do original. A implantação foi ajustada para o eixo norte-sul e houve o acréscimo de outros volumes. Do desenho de Karman, sobrou apenas a relação da lâmina com o volume trapezoidal do auditório.


O projeto foi capa do número IV, ano III, do Boletim da L.B.A. (Legião Brasileira de Assistência) ? Comissão Estadual do Pará ?, em junho de 1950.


Imagem 3 . Capa do Boletim da L.B.A. Fonte: Acervo IPH/Coleção Jarbas Karman.


4.2. Hospital em Marabá


O hospital de Marabá data de 1950. O edifício foi implantado a 250 metros da margem do Rio Tocantins, em um quarteirão conformado pelas atuais avenida Antônio Maia (antiga rua Antônio Maia), travessia do Hospital, rua Cinco de Abril (antiga rua Duque de Caxias) e travessa Santa Teresinha. Há duas versões do projeto. Uma datada em 30 de maio de 1950 e outra não datada. As duas versões possuem um só pavimento suspenso do solo por pilares de concreto. A não datada, que será chamada neste artigo de primeira versão, possui duas pranchas: uma com a planta geral do hospital implantado no lote, na escala 1:200; outra com um corte esquemático, uma elevação e detalhes construtivos, em escalas variadas.


Imagem 4 . Prancha com planta baixa da primeira versão do Hospital de Marabá. Fonte: Acervo IPH/Coleção Jarbas Karman.


A primeira versão, com capacidade para 40 leitos, possui quatro pavilhões de diferentes tamanhos, conectados entre si, sendo um próximo e alinhado à travessa Santa Teresinha; dois posicionados mais ao centro do lote, paralelos entre si e alinhados à rua Antônio Maia; e um terceiro posicionado de forma diagonal aos demais, no sentido nordeste-sudoeste. Há dois acessos: um para os pacientes, voltado para a travessa Santa Teresinha, e outro para os colaboradores e serviços gerais, voltado para a rua Antônio Maia. Ambos os acessos são rampados, de modo a permitir a entrada nivelada dos usuários, uma vez que todo o hospital estaria suspenso do solo. O programa previa atendimento ambulatorial, exames de raio x, laboratório de análises clínicas, maternidade, centro obstétrico (com uma sala de parto), centro cirúrgico (com uma sala de cirurgia), apoio administrativo e apoio técnico-logístico ? composto por central de esterilização, cozinha, almoxarifado, lavanderia, morgue, caldeiras e sala para gerador. Interessante notar que, já em 1950, Karman propunha a separação de dois leitos por quarto e a descentralização do posto de enfermagem (15 leitos para cada posto na internação geral).


Ao observar a elevação, é possível perceber que o projeto propunha um piso inclinado, definido por ele como ?aclive das alas?, ou seja, com um piso rampado em toda a extensão dos pavilhões, com variação de altura entre 1,50 m (nos acessos) e 4,00 m (nas extremidades dos pavilhões) do solo.


Imagem 5 . Prancha com elevação, corte e detalhes da primeira versão do Hospital de Marabá. Fonte: Acervo IPH/Coleção Jarbas Karman.


As justificativas apresentadas por Karman são: 


1º Prédio efetivamente a salvo de inundações

2º Ganho de altura com a economia de rampas e colunas

3º Aproveitamento da parte sob o hospital

4º Efeito estético

5º Maior higiene e ventilação

6º Possibilidade de tanque séptico elevado

7º Declive aos esgotos

8º Maior isolamento dos quartos? (Karman, 1950).


O corte esquemático e o detalhe dos brises evidenciam a preocupação de Karman com o clima local. O projeto propõe beirais maiores para as faces com maior insolação, um espaço ventilado entre o telhado e o forro e brises móveis de alumínio e madeira, o que permitiria aos pacientes controlar a quantidade de luz natural nos quartos.


A prancha datada, que, neste artigo é referida como a segunda versão, também é composta por quatro pavilhões conectados entre si, sendo três ortogonais e um em diagonal em relação às ruas. Com capacidade para os mesmos 40 leitos, possui um programa mais elaborado, com três acessos, em vez de dois, sendo: um para colaboradores e serviços gerais; um para a emergência (voltado para a travessa Santa Teresinha); e outro para o ambulatório (voltado para a rua Antônio Maia. Os acessos são rampados, o que indica que essa proposta mantém a ideia de elevar o hospital do solo.


Imagem 6 . Prancha com planta baixa da segunda versão do Hospital de Marabá. Fonte: Acervo IPH/Coleção Jarbas Karman.


A distribuição do programa segue lógica parecida: quartos com um ou dois leitos, postos de enfermagem descentralizados e agrupamento do apoio técnico-logístico. Porém, essa versão apresenta uma configuração diferente da do centro cirúrgico e do centro obstétrico. As unidades estão justapostas, quase formando uma só unidade, com acessos independentes, próximas à central de esterilização e praticamente equidistantes da maternidade e da internação geral. O layout dessas unidades, quase aglutinado, será aprimorado por Karman anos depois, como é possível notar nos projetos para o Hospital de Clínicas de Pelotas Dr. Francisco Simões, em Pelotas (1956), e para o Hospital São Domingos, em Uberaba (1958).


Não foi possível aferir se a segunda versão manteve a proposta de inclinação da laje do térreo, assim como foi pensado para a outra versão.


Considerando as mudanças na organização e no posicionamento do centro cirúrgico e do centro obstétrico, e que essas mudanças seriam aprimoradas em projetos posteriores, é possível dizer que a segunda versão é a mais recente, sendo que o arquiteto a desenvolveu para aperfeiçoar o projeto.


Atualmente, há um hospital construído no local, chamado Hospital Materno Infantil de Marabá. A implantação do conjunto não corresponde a nenhuma das duas versões desenvolvidas por Karman. Porém, as características dos fechamentos externos (modulação da caixilharia), o uso de telhados aparentes e, principalmente, a suspensão do térreo em relação ao solo por pilotis sugerem que as ideias do arquiteto serviram de base para a construção do hospital.


5. Considerações finais

Os dois projetos desenvolvidos por Jarbas Karman durante sua jornada pelo Sesp deixam claro que suas preocupações acerca de uma melhor setorização físico-funcional, a separação dos acessos por tipo de usuário, a aproximação de unidades funcionais com afinidades operacionais e o cuidado para o conforto físico e psicológico dos pacientes são algumas das questões já presentes na prática profissional do arquiteto, mesmo antes do seu período de estudos nos EUA.


O arrojo formal do projeto para Belém e a leveza do conjunto arquitetônico suspenso por pilotis, além das questões organizacionais da segunda versão do projeto para Marabá, são indícios de que Karman já não concordava com as práticas comuns do início do século XX e já ensaiava o rompimento com os modelos preestabelecidos, voltando a valorizar o bem-estar dos pacientes e sugerindo novos arranjos arquitetônicos para tornar as instituições mais eficientes e seguras.


Sua experiência no Sesp foi significativa ao ponto de ele ter sido desobrigado a desenvolver o trabalho de graduação de mestrado, cujo tema era o projeto de um hospital geral. A pesquisadora Monica Cytrynowicz, ao escrever sobre as origens do IPH, revela que o orientador de Karman em Yale, professor Bouis, permitiu que ele, por já ter projetado e construído hospitais de porte considerável, apenas se dedicasse à pesquisa e aos estudos teóricos sobre o tema (CYTRYNOWICZ, 2014, p.23).


Frente a esses fatos, não só em relação aos projetos de Karman, mas também à publicação do primeiro guia de projeto e construção de hospitais, por Nadalutti e Valdetaro, é evidente que a produção dos arquitetos do Sesp contribuiu de maneira relevante para as transformações dos edifícios assistenciais de saúde brasileiros. Esse assunto carece de maior documentação e de outras pesquisas.


Referências

Periódicos e internet


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Livros

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