Resumo
O presente artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa de mestrado que procura investigar as evoluções arquitetônicas nos espaços de saúde através de influências sociais, tecnológicas e legislativas. Parte do trabalho aqui apresentado busca exemplificar e ilustrar por meio de um estudo de caso como a Arquitetura Infecto-Preditiva se apresentava no Brasil entre 1974 e 1994. O recorte temporal deve-se ao fato de alterações legislativas federais terrem ocorrido no período impulsionadas por respaldos técnicos que questionaram e transformaram os paradigmas existentes. O Hospital Regional de Chapecó, desenhado por Irineu Breitman em 1980, é analisado por meio de marcações e releitura das plantas de projeto e aponta as estratégias projetuais aplicadas no ambiente construído a fim de conter a propagação de doenças. Por meio do estudo questiona-se as soluções aplicadas em cada situação, nem sempre sendo possível compreender as técnicas de projeto utilizadas.
Palavras-chaves:
arquitetura hospitalar, arquitetura infecto-preditiva, partido arquitetônico.
Desde o surgimento de ambientes hospitalares foram inúmeras as mudanças ocorridas em função de diferentes fatores provenientes de diversas áreas do conhecimento. Ao longo da história o espaço de saúde melhorou significativamente alterando consequentemente o espaço arquitetônico hospitalar. Essas mudanças ocorreram em função de novos princípios e procedimentos médicos, assim como das inovações tecnológicas, principalmente na área de saúde e da construção civil. Mas, é somente a partir da metade do século XX que pode ser observado o início da formulação de normas brasileiras diretamente ligadas a formação destes ambientes.
Estas normas surgiram com a necessidade de gerar uma padronização mínima em alguns ambientes do hospital para que este pudesse oferecer a melhor ergonomia e fluxograma aos pacientes e corpo clínico. Elas refletiam as "boas práticas" paulatinamente construídas e elencadas, além dos saberes médicos de cada época.
Dentro destas reflexões vistas em normativas hospitalares no Brasil, destacamos aqui a Norma de Construção e Instalação do Hospital Geral, publicada pelo Governo Federal em 1974, que trouxe aos registros legais a preocupação quanto o controle das infecções de cunho hospitalar.
Ao longo do século XX houve uma série de momentos importantes na mudança de paradigmas quanto ao controle de contágios e infecções hospitalares. Por exemplo, na decada de 1970 a norma indicava aos profissionais: "Evitar o cruzamento de trafego limpo e contaminado" (BRASIL, 1974, p.5). Essa sugestão referia-se ao uso de corredores apelidados de "sujos e limpos", os quais controlavam, por exemplo, a entrada de roupa limpa no ambiente, e a saída de resíduos por outro caminho. Assim eram projetados os setores contendo salas de cirurgias e enfermarias. Na década de 1970 a presença de dois corredores de circulação era uma instrução forte para o projeto e provocava um aumento das áreas de circulação em qualquer planta hospitalar.
Em 1994 é lançada a nova publicação legislativa federal, que aborda projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, quando já era de conhecimento geral que as questões de contágio poderiam ser controladas com higiene adequada, através da assepsia. Este conhecimento começa a surgir em 1980 quando passa-se a preticar, com os restritos conhecimentos da época, a chamada Arquitetura Infecto-Preditiva (BRASIL, 1995) que dialogava com os procedimentos médicos na busca pelo aperfeiçoamento da cura e da prevenção de infecções hospitalares.
A Arquitetura Infecto-Preditiva buscava hospitais mais seguros, muitas vezes sem ter um aprofundado embasamento cientifico. A Arquitetura Infecto-Preditiva foi o nome dado as ações impostas pela normativa de 1974, como as salas de cirurgia séptica, bloco cirúrgico de corredor duplo, elevadores e monta-cargas privativos para transporte de material "sujo", isto é, potencialmente infeccioso, entre outros.
Em 1980 a consolidação da prevenção da infecção hospitalar é reformulada. A partir deste ponto, através de publicações mundiais, o entendimento da Arquitetura Infecto-Preditiva começa a ser alterado. Os documentos oficiais se referiam as práticas anteriores como "rituais mágicos inúteis que apenas oneram os custos hospitalares" que seriam desmascarados pela nova norma baseada em descobertas técnicas e científicas (BRASIL, 1995, p.15).
Foi na década de 1980 que, as Precauções Universais (PU), os Procedimentos de Segurança e a adoção das Barreiras Individuais (luvas, avental, máscara e óculos de proteção) se tornaram rotina aos funcionários e público presente em Espaços Assistenciais a Saúde (EAS). Com o entendimento e compreensão das ações de segurança individual nesses espaços, a Arquitetura Hospitalar passa a ser colaborativa - e não mais decisiva, provendo o ambiente da forma necessária para que essas ações aconteçam:
(...) um lavatório-pia, por quarto, sem dúvida, constitui sólido suporte à implantação da nova tendência assistencial; assim como: torneira de água acionada por comando de pé ou por outro meio, capaz de liberar as mãos e preservá-las de contaminação; e, ainda, a provisão de espaço, sob o lavatório- pia, para o posicionamento de porta-saco plástico para roupa suja, de porta-saco plástico para resíduos sólidos e de recipiente sólido para o recolhimento seguro de agulhas de injeção servidas e, de outros pérfuro-cortantes; completam os apoios requeridos: prateleiras elevadas, sobre o lavatório-pia, para a guarda e pronto-uso, sempre à mão, das "barreiras individuais" (luvas, máscara, avental e outros). Os elevadores e monta-cargas são os meios usuais para o transporte da roupa; quando ensacada e acondicionada, em carros fechados, não requer precauções ou segurança adicionais; a recomendação de que o transporte seja feito por elevadores, preferentemente destinados a serviços, ou que não conduzam pacientes concomitantemente, são ditadas, apenas, por razões de "humanização" e disciplina (BRASIL, 1995, p.32).
Baseado nisso, o presente artigo apresenta uma análise do Hospital Regional de Chapecó, apoiando-se em demarcações e releitura do projeto arquitetônico, bem como respaldado pelas crenças e legislações vigentes na época para o melhor entendimento. A escolha desta arquitetura, assinada por Irineu Breitman, se justifica por sua data de concepção, 1980. Foi um projeto hospitalar orientado legalmente pela normativa restrita de 1974 e executado em um momento de transições de conhecimento a respeito da arquitetura hospitalar infecto-preditiva.
O material aqui utilizado faz parte de uma pesquisa mais ampla, onde posteriormente é acrescentado novo estudo de caso que representa o pensamento arquitetônico posterior a norma de 1994. Nosso objetivo neste momento é ilustrar e entender como estes conhecimentos e normas eram traduzidos ao espaço arquitetônico hospitalar, considerando suas peculiaridades.
O Hospital Regional de Chapecó
O autor do projeto aqui apresentado e estudado é Irineu Breitman, que fundou em 1970 o escritório HOSPLAN, posteriormente denominado HOSPITASA, e foi o escritório responsável pelo projeto do Hospital Regional de Chapecó. A equipe, além de Irineu, era complementada com mais dois arquitetos e um médico consultor. Seus projetos apresentaram características bem marcantes e vistas em outros projetos de Irineu: predominância do partido horizontal e a prioridade para ventilação e insolação naturais (VICENTE, 2018).
Localizado na cidade de Chapecó, oeste do estado de Santa Catarina, o Hospital Regional de Chapecó iniciou sua construção em 1982, inaugurando em outubro de 1986 com 60 leitos disponíveis. Atualmente, o complexo é nomeado como Hospital Regional do Oeste. Conforme constatado na análise dos desenhos técnicos de arquitetura no projeto de Irineu Breitman, o desenho original de 1980 contou com 6 pavimentos principais, ocupando um terreno de aproximadamente 35 mil metros quadrados.
O sítio de implantação apresentava-se com uma inclinação de 15% no eixo leste-oeste. Para dispor 6 pavimentos, Breitman utilizou-se de 5 platôs - inseridos nas cotas 126, 122, 118, 112 e 107 (figura 01). Através dos platôs, Breitman nomeia seu partido de projeto como vertical-escalonado, conectando os pavimentos por meio do núcleo rígido (elevadores e escadas) e possibilitando acessos diretos a cada área.
Na figura 02 é possível verificar os cortes realizados nos terrenos e o assentamento de cada pavimento. Pelo corte 2 e 3 nota-se que o bloco leste do quarto pavimento fica parcialmente enterrado. Bretiman justifica: "A necessidade de prover a maioria destes serviços com ar condicionado foi explorada colocando em piso com menor possibilidade de iluminação e ventilação.", refere-se aos serviços cirúrgicos e de tratamento intensivo, como será mostrado no estudo individual do pavimento.
O primeiro pavimento abriga centrais de caldeiras e ar condicionado. Tem acesso direto pela Rua Israel e apoia-se sobre o platô de cota 107. Conta ainda com acesso direto de veículos até a garagem e acessos individuais aos demais ambientes. Em depoimento coletado para a pesquisa de dissertação, Lucio Breitman - filho de Irineu - destacou que a dificuldade imposta pela alta declividade do terreno possibilitou a implantação de galerias subterrâneas abaixo do pavimento térreo, as quais permitiam o acesso e manutenção aos demais pavimentos de uma forma mais fácil e rápida.
Sob o aspecto do planejamento físico, o sistema convencional contempla os seguintes ambientes e componentes, sujeitos a pequenas variações: plataforma destinada à carga e descarga; área de recepção e inspeção de gêneros e utensílios; área de armazenamento; área de câmaras frigoríficas; sala de nutricionistas; sanitários; depósito de material de limpeza; sala de recolhimento de resíduos; áreas para preparo de alimentos; áreas para cocção; área para preparação de dietas; área para desjejum e lanches; área para distribuição; área para lavagem de louças, talheres e bandejas; área para lavagem e guarda de panelas; área para lavagem de carrinhos; refeitórios, lanchonete para o público para mordiscos (snacks) e lanchonete para doares de sangue; lactário; sala para nutrição enteral (KARMAN, 2011, p.352).
Pode ser o sistema, por exemplo, onde as dietas sobem porcionadas e identificadas da cozinha, sendo que a montagem das bandejas é feita na própria copa.
Ou então, distribuição descentralizada para pacientes com dieta geral e distribuição centralizada para pacientes com dietas especiais, permitindo maior supervisão na última.
Outra modalidade, seria a distribuição centralizada dos alimentos frios e descentralizada dos alimentos quentes (MEZOMO, 197?, p. 112Grifo nosso).
3) uma ante-sala com pia, armários para aventais limpos e outros materiais, e espaço para um recipiente de materiais sujos. Essa ante-sala facilita a implementação das técnicas de isolamento sem necessidade de se usar o corredor. A figura 5 mostra a planta de uma sala de isolamento com ante-sala (AMERICAN HOSPITAL ASSOCIATION, 1976, p.79).
Art. 141 - O número de Escadas Enclausuradas dos edifícios para outros usos, será calculado em função das seguintes condições:
a) Edifícios com mais de 30 (trinta) metros de altura, devem ser providos de 2 (duas) escadas;
b) A área do pavimento para uma única Escada Enclausurada não poderá ser maior do que 500 (quinhentos) m2.
c) A distância máxima a percorrer entre o ponto mais afastado e a porta de entrada da antecâmara será de 35 (trinta e cinco) metros, medida dentro do perímetro do edifício; (SANTA CATARINA, 1979).
4. Sala de Transferência: A cama ou maca em que o paciente é trazido do seu quarto, alberga e coleta pelo caminho considerável quantidade de bactérias que não podem penetrar nas salas de cirurgia. É preciso, portanto, que na sala de transferência, situada na entrada do conjunto cirúrgico (e obstétrico), o paciente limpo seja transferido de seu leito para uma maca desinfetada, totalmente limpa e tratada com fixadores de fiapos (KARMAN, 1972).
O centro obstétrico se organiza através do acesso por meio da sala de preparo, salas de trabalho de parto e salas de parto. Enquanto as mães são transferidas a sala de recuperação, os bebes são levados a um dos quatro berçários que o hospital disponibiliza: observação, infectados, patológicos e sem patogenias. O berçário para bebes sem patogenias abre uma janela ao corredor de passagem dos pacientes para contemplação de parentes e visitantes.
O fluxo médico acontece pelo corredor direito, e leva direto as salas preparatórias para cirurgia. Para realização de cirurgia infectada, existe uma sala preparatória a equipe médica. O corredor "limpo" destinados aos médicos e enfermeiros leva ao segundo acesso das salas cirúrgicas.
Desde 1995 o Ministério da Saúde já fazia ampla divulgação de que a localização de salas cirúrgicas deveria ocorrer entre dois corredores: "em nada contribui para melhorar a assepsia do bloco cirúrgico; podendo, pelo contrário, prejudicá-la pela introdução de mais um acesso; é uma solução arquitetônica e operacionalmente onerosa e sem justificativa técnica" (BRASIL, 1995, p.57). O contato da equipe médica com o paciente durante horas dentro do mesmo espaço, e o "despacho" do mesmo juntamente com os materiais e roupas sujas, em nada anula a limpeza do corredor por onde passar, desde que tudo esteja acondicionado dentro da técnica preconizada (BRASIL, 1995).
O quinto (figura 06) e maior pavimento, abriga além do setor de internação médico cirúrgica, o espaço de consultas, fisioterapia, exames, laboratório, patologia, serviço de emergência e conforto médico. O bloco da torre de internação no quinto pavimento, conta com 68 leitos divididos entre enfermarias, quartos e apartamentos privativos. A conexão com o segundo bloco é feita pela capela.
Esse é o último pavimento que faz contato direto com o logradouro, o que permitiu, além da maior extensão e agrupamento de serviços, a locação de diversos acessos. Os três acessos da fachada leste são para o serviço de Bar, entrada geral de exames e consultas, e acesso/saída do necrotério (da esquerda para direita). Os três outros acessos, localizados na fachada sul, levam ao hemocentro, a emergência e ao conforto médico (de cima para baixo).
A entrada geral divide o fluxo para três opções: consultas, fisioterapia e serviço social; área de patologia clínica; ou ainda as salas de exames. A planta do quinto pavimento organiza os fluxos como no segundo pavimento: pela distribuição dos ambientes.
Conclusões
Entretanto, para uma manutenção econômica e assistência eficiente é imprescindível que os quartos sejam dispostos de ambos os lados dos corredores. Fachadas e corredores devem ser ocupados só por acomodações de pacientes. É bom sempre ter em vista que a mais compacta disposição dos leitos corresponde ao menor percurso de serviço (CYTRYNOWICZ, 2014).
Referências Biliográficas
AMERICAN HOSPITAL ASSOCIATION. Controle de infecções no hospital. São Paulo, SP: Sociedade Beneficente São Camilo, 1976. viii, 203 p.
BRASIL, Ministério da Saúde. Arquitetura na prevenção de Infecção hospitalar. 1995. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/manuais/infeccao.pdf> Acesso 28/02/2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência Médica. Coordenação de Assistência Médica e Hospitalar. Normas de Construção e instalação do Hospital Geral. 1974. Acervo IPH.
BREITMAN, Irineu. Projeto Arquitetônico Hospital Regional de Chapecó. 1980.
CYTRYNOWICZ, Monica Musatti, 1964 - Instituto de pesquisas hospitalares arquiteto Jarbas Karman - IPH: 60 anos de história / Monica Musatti Cytrynowicz. - 1. ed. -São Paulo: Narrativa Um, 2014. 176 p.
KARMAN, Jarbas. Iniciação à Arquitetura Hospitalar. IPH - Instituto de Pesquisas Hospitalares Arquiteto Jarbas KarmanSão Paulo - SP, Brasil - 1ª edição - 1972. Disponível em: <http://iph.org.br/acervo/livros/iniciacao-a-arquitetura-hospitalar-6> Acesso em 16 mar 2020.
KARMAN, Jarbas. Manutenção e segurança hospitalar preditivas / Jarbas Kannan ; (prefácio de Celso Skrabej. - São Paulo :Estação Liberdade; IPH, 2011. Disponível em: <http://www.iph.org.br/acervo/livros/manutencao-e-seguranca-hospitalar-preditivas-1036> Acesso em: 10 03 2020
MEZOMO, Iracema F. de Barros. Organização e administração do serviço de nutrição e dietética. [São Paulo, SP]: SBS, 197-]. 199 p.
SANTA CATARINA, Bombeiros Militares de Santa Catarina. Normas e Especificações Contra Incêndios, 1979.
VICENTE, E. R. S. A arquitetura de hospitais de Irineu Breitman. Revista IPH, São Paulo, n. 15, p.35-56, 2018.
Chayane Galvão é Mestranda do POSURB-ARQ PUC-Campinas. Atua na Linha de pesquisa em Projeto, inovação e gestão em Arquitetura e Urbanismo. Arquiteta e Urbanista pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2013-2018). Trabalho de conclusão de curso realizado na área de relação entre arquitetura, espaço e sentimentos em ambientes hospitalares. Monitora de Desenho Técnico (2014-2015). chayanegalvao@hotmail.com
Jonathas Magalhaes Pereira da Silva é Profo Dr. do POSURB-ARQ PUC-Campinas. Como consultor atuou na coordenação técnica: do Plano Sócio Espacial da Rocinha RJ; de 11 planos participativos da região serrana do ES; de Projetos urbanos dos corredores de transporte em SP, do Master Plan para CDHU-SP, do Plano de Saneamento para Paragominas - PA, do Plano de Infraestrutura da UNIFESP - Campus São Paulo, entre outros. jonathas.silva@puc-campinas.edu.br