Resumo
O presente artigo tem por objetivo mostrar como o momento de isolamento social, vivido com mais intensidade no ano de 2020, poderá mudar os parâmetros das residências no futuro. A metodologia usada foi a de pesquisa explicativa, na qual foram analisados trabalhos que mostram que as plantas baixas das casas, e suas mudanças ao longo do tempo, apresentam uma radiografia do contexto econômico-social vivido na época de seu projeto. Os impactos vividos em 2020 devem gerar uma nova demanda, de um novo produto (residência), que ainda não está disponível no mercado. O estudo coloca em discussão algumas características que os autores acreditam que deverão mudar o atual conceito de projeto residencial. Além das mudanças do produto, o trabalho expõe algumas implicações sociais, que devem ocorrer devido às mudanças que a atual pandemia de Covid-19 irá demandar, alterando o contexto urbano atual. Embora considerarmos que a atual crise é passageira, observa-se que os transtornos vividos deverão deixar marcas e, por isso, conclui-se que as mudanças identificadas poderão impactar o futuro, implicando em mudanças que serão decorrentes do momento vivido durante esta pandemia.
Palavras-chave:
Arquitetura pós-Covid; casa do futuro; desdobramentos sociais pós-Covid; dinâmica urbana.
Introdução
A pandemia gerada pela Covid-19, que teve seu início no começo de 2020, gerou vários questionamentos sobre sua implicação na Arquitetura e no Urbanismo. Nos diversos debates realizados ao longo deste ano, se procurou achar uma solução para os novos desafios impostos pela referida pandemia à humanidade como um todo. Depois do que tem sido vivido, é de se acreditar que futuros projetos residenciais não dispensarão escritórios para os adultos e lugares mais amplos, onde as crianças possam realizar as suas atividades escolares. Considera-se que as casas não terão mais apenas um computador para toda a família, mas sim um por morador, independentemente de sua idade. Todas estas mudanças não se darão apenas de forma estrutural, mas também comportamental.
Em uma destas mudanças, observamos que as famílias voltaram a cozinhar em casa, dando destaque ainda maior para o espaço da cozinha, algo que já podia ser notado nos últimos anos, principalmente devido ao conceito de cozinha integrada e pela profusão de programas televisivos de culinária. Segundo o site Consumidor Moderno (2020), ao se comparar este mesmo período de 2020 com o ano de 2019, observou-se um aumento de 45% no número de seguidores de perfis de cozinheiros nas redes sociais, tal como o "Panelinha", da apresentadora Rita Lobo. Observou-se que as pessoas foram literalmente impedidas de sair de casa e obrigadas a cozinhar, aumentando o tempo de convivência, o que também implicou uma mudança no comportamento das famílias, em que antes se observava que cada membro era uma ilha (Figura 1).
É irrefutável que a dinâmica social das pessoas foi afetada durante a pandemia, com impactos profundos em nossa sociedade. Bjarke Ingels (2014 p.1), famoso arquiteto dinamarquês, explica como a arquitetura é um reflexo da maneira de como se vive: "A arquitetura é a arte e a ciência de garantir que nossas cidades e edifícios se encaixem na maneira como queremos viver nossas vidas: o processo de manifestar". Assim, considera-se que o momento que a sociedade passa é de grande mudança social, a partir do qual, devido às necessidades, há de surgir um novo modelo de residência, atendendo às novas dinâmicas sociais.
O objetivo deste artigo é colocar em pauta algumas mudanças esperadas para os futuros projetos arquitetônicos, em especial os projetos residenciais. Essas mudanças são baseadas na dinâmica social observada atualmente. Para sustentar os pontos aqui apresentados, foi mostrado de forma breve como, em outros momentos da história, a configuração de uma residência foi reflexo do momento vivido pela sociedade, mais precisamente o período compreendido entre 1980 e 2010. Além de apresentar argumentos para as mudanças de projeto, algo concreto e palpável, o presente trabalho traz para o debate questões sociais que devem acontecer caso a sociedade realmente absorva algumas mudanças na dinâmica social como algo mais duradouro.
Desenvolvimento
Quando a evolução das casas ao longo do tempo é estudada, é possível ver que houve mudanças em sua configuração e área ao longo do tempo. Essas mudanças sempre foram reflexo de mudanças da sociedade. Isto pode ser verificado pelo trabalho da arquiteta Aline Carolino (2020), que faz uma análise da mudança projetual dos empreendimentos imobiliários na cidade de João Pessoa, Paraíba. Seu trabalho estuda apartamentos com tipologias semelhantes ao longo do período de 1980 a 2016, avaliando todas as plantas de 48 edifícios, totalizando
Em seu trabalho, Carolino (2020) usa três diretrizes para avaliar as residências, sendo dado destaque à análise dimensional. Este conceito deriva do que foi apresentado por França (2008), no qual relaciona a área total, as áreas por setores (social, íntimo e serviço) com o tamanho do espaço mais importante de cada setor. Ao longo do tempo, é possível ver que existe uma mudança na participação de cada espaço no todo da residência, como mostrado no Gráfico 1.
Quando comparados à média da área do setor de cada década em relação à média da área total dos apartamentos, observou-se que existem variações para os projetos com diferentes programas de necessidades, conforme a quantidade de quartos. O que se pode notar é que os apartamentos com uma suíte e dois quartos apresentam proporções maiores na ocupação do apartamento ao setor íntimo, passando da média de 48% em 1980 para até 60% em alguns exemplares de 2010 (mesmo com a perda da varanda na suíte). Isso ocorre prioritariamente em detrimento do setor de serviço, mas, por vezes, do setor social.
Os anos 2000 marcaram o fim das dependências de empregada, e, embora o estudo de Carolino (2020) tenha tido a cidade de João Pessoa (PB) como foco, é conhecido por todos que essa realidade alcançou todo o Brasil. As mudanças nos apartamentos de três quartos foram para apresentar ao consumidor um novo produto, mais de acordo com suas expectativas. A extinção da dependência de empregada é algo com que quase todos podem se identificar. A classe média, na década de 80, tinha pelo menos uma ajudante, que dormia na casa de seus empregadores, muitas vezes trabalhando de domingo a domingo. A Constituição Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) mudou arranjos trabalhistas, que mudaram em parte o perfil da sociedade. Aos poucos, este funcionário começou a ir para sua casa aos fins de semana, e não estaria mais à disposição 24 horas. Esta situação é sustentada pelo fato de, antes da Constituição de 1988, as trabalhadoras domésticas não terem lei que as amparassem, principalmente no que diz respeito à jornada de trabalho, repouso semanal remunerado, férias e outros direitos até então distantes da categoria, como afirma Balduino (2018):
A Constituição Federal de 1988 assegurou aos trabalhadores domésticos direito ao salário-mínimo, ao 13º salário, à irredutibilidade salarial, ao repouso semanal remunerado, à licença maternidade de 120 dias, às férias + 1/3, à licença paternidade, à aposentadoria, ao aviso prévio e à previdência social. [...] O parágrafo único do artigo 7º da CF/88 foi alterado pela EC 72/13, que garantiu a esses empregados a jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais. O empregador que não acatar a norma pagará horas extras com o mínimo de 50% superior ao valor da hora normal.
Antes dos anos 2000, os lançamentos imobiliários eram focados em residências para famílias de quatro a cinco integrantes, mas a sociedade estava quebrando alguns paradigmas. Começaram a aumentar o número de construções que tinham como público-alvo famílias menores, até mesmo em decorrência da diminuição da taxa de fecundidade (BRASIL.IBGE) (Gráfico 2).
Gráfico 2 . Taxa de fecundidade - Brasil. Fonte: BRASIL.IBGE (2010).
A Síntese dos Indicadores Sociais revela que, entre 1995 e 2005, na região Sudeste, o percentual de famílias formadas por casais com filhos caiu de 56,6% para 48,5%. Fatores, como o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, podem ter ocasionado mudanças na estrutura das famílias brasileiras: o número das que eram chefiadas por mulheres cresceu 35% no período. Esse aumento vem ocorrendo mesmo nas famílias onde há a presença do cônjuge. A Síntese também revelou que, no Brasil, em 2005, havia quase seis milhões de pessoas morando sozinhas. (BRASIL, 2006).
Outra mudança, mais recente, na configuração dos imóveis ocorreu devido ao fato de muitas famílias não terem mais uma cozinheira, motivado, sobretudo, por fatores econômicos. Esta situação foi impulsionada pela inserção das mulheres no mercado de trabalho, uma vez que, mais atarefadas e distantes de seus lares, as pessoas passaram a comer em restaurantes, o que é confirmado por Carvalho (2017, p. 484, grifo do autor):
Nas últimas décadas, a expansão da indústria e do mercado de alimentação fora do lar são alterações substantivas, fomentadas não apenas por avanços tecnológicos na forma de produzir, armazenar, preparar e servir alimentos, mas também por questões de caráter socioeconômico e cultural, como a integração maciça de mulheres ao mercado de trabalho e a efetiva separação entre os espaços laborais e de residência nas grandes cidades. Como observa Garcia (2003), "em decorrência de novas demandas geradas pelo modo de vida urbano, ao comensal é imposta a necessidade de reequacionar sua vida segundo as condições das quais dispõe, como tempo, recursos financeiros, locais disponíveis para se alimentar, local e periodicidade das compras, e outras".
A comensalidade, desta forma, condensaria os traços da hospitalidade com os de rituais à mesa, além de representar uma fonte de prazer a partir do usufruto de companhias agradáveis, tendo em vista que o ato de comer em grupo pode assumir dimensões psicológicas transcendentes para o indivíduo e criar, como defendem Lashley, Morrinson e Randall (2005), experiências de refeição únicas e inesquecíveis.
Os novos desafios
A situação atual, de isolamento social devido à Covid-19, fez com que algumas dinâmicas nos lares fossem alteradas, situações que não
Hoje, quando se entra em uma casa, normalmente, se passa por uma área social ou íntima, de fácil conexão com o restante da residência. Devido a questões sanitárias, o ideal é que se possa ter uma área de higienização antes de entrar na intimidade do lar (Figura 2). Este fato pode fazer com que futuros projetos tenham lavatórios e uma área para troca de roupa, antes que se possa entrar em casa.
Figura 2 . Área de higienização. Fonte: Metrópole (2019).
Essa mudança talvez traga transformação no design do mobiliário, como, por exemplo, mesa de jantar mais baixa, com menos imponência, mas trazendo maior conforto para uso prolongado. Até então, era impensado que uma casa com cinco membros poderia ter todos precisando de um espaço de escritório simultaneamente. Somados à situação dos que estão trabalhando em casa (home office), os alunos também devem ser inseridos neste contexto, pois estão impedidos de irem até a escola e precisam de mesa para poder desempenhar suas atividades. Uma vez que todos estão no mesmo ambiente, surge o problema: cada um em sua reunião virtual, o pai e a mãe com suas equipes de trabalho, e os filhos com seus professores, o barulho de tanta conversa é insuportável.
Os futuros lançamentos imobiliários, provavelmente, terão quartos com área maior, de forma a poder acomodar cada um em seu próprio; ou haverá uma espécie de ambiente onde haverá uma grande bancada com divisórias, permitindo a cada um exercer sua atividade (Figura 3).
Figura 3 . Área de trabalho coletivo. Fonte: Autor (2017).
Diminuição da poluição atmosférica em grandes cidades, águas mais limpas, passagem incomum de animais silvestres em centros urbanos, praias vazias com tartarugas desovando em massa. Essas e outras consequências da redução da circulação humana e o seu impacto no meio ambiente têm sido noticiadas durante a pandemia e são importantes para reflexões sobre as questões ambientais no planeta. [...] Pela primeira vez em cerca de 80 anos, a montanha Dhauladhar, que faz parte da cordilheira do Himalaia, pôde ser avistada novamente na Índia. Esse fenômeno ocorreu devido à queda da poluição atmosférica pela diminuição da produção nas fábricas e o trânsito reduzido na quarentena. Na China, essa redução chegou a 25% desde o início da pandemia, sendo que o isolamento social no país pode ter salvo entre 50 e 75 mil pessoas da morte devido à poluição, de acordo com a Universidade Stanford.
Figura 4 . Edifício abandonado e invadido no centro de São Paulo. Fonte: Exarte (2019).
O ritmo acelerado das cidades e as longas jornadas de trabalho fizeram com que o almoço, momento no passado de suma importância para a família, fosse abandonado, como já mostrado no trecho acima de Carvalho (2017, p.1). A grande verdade é que a grande maioria das pessoas raramente tinha a oportunidade de almoçar em casa e, aos poucos, esse evento foi perdendo importância na dinâmica familiar. Muitos passaram a depender quase que exclusivamente de serviços de entrega e de comidas prontas. O isolamento social fez com que famílias, antes distantes neste horário, passassem a retomar este evento como um hábito familiar. Movidos pela necessidade, muitas vezes até financeira, muitos que raramente se aventuravam na cozinha passaram a preparar o próprio alimento diariamente. O aumento das pessoas que passaram a cozinhar não foi a única mudança, mas a pandemia trouxe várias transformações sociais no hábito alimentar, algo que tem sido estudado em várias frentes, como vemos no trecho de Ferreira (2020):
Na pandemia, tudo mudou de lugar para dar espaço a um novo modo de vida. A forma de se alimentar não ficou isenta do impacto do isolamento social. Uma pesquisa feita na USP avaliou como as mulheres brasileiras, de diferentes classes sociais e estados nutricionais, vivenciaram esse momento, afetado por aspectos psicológicos em relação aos seus hábitos e escolhas alimentares. Os dados mostram que elas cozinharam mais, diminuíram as idas aos supermercados e usaram mais serviços de entregas (delivery).
Figura 5 . Cozinha integrada. Fonte: VivaDecora (2020).
Dentre os espaços de uma residência, talvez este setor seja considerado o de menor importância, como aponta Carolino (2020, p.11, grifos do autor) no trecho:
No setor de serviço, os apartamentos até os anos 1990, em sua maioria, apresentam programas que contam com cozinha, área de serviço, dependência de empregada e banheiro de serviço, assim como encontrado nos apartamentos em Maceió, AL, por Lima e Toledo (2018). A partir dos anos 2000, na amostra estudada, esse setor passa a ser diminuído quanto ao seu programa de modo mais expressivo. Essa década apresenta, em sua maioria, apenas os ambientes indispensáveis a ele,que são "cozinha" e "serviço" - este último muitas vezes diminuído à mínima área possível, por vezes apenas o espaço de um tanque.
Apesar do isolamento social vivido, dificilmente alguém possui condição de passar mais de um mês sem sair de casa. Acontece que, após essas saídas, o ideal é que tudo seja descontaminado, fazendo da área de serviço um lugar importante. A verdade é que, mesmo em empreendimentos voltados para a classe média, este espaço é limitado pelo mínimo necessário para que caiba um tanque e uma máquina de lavar. Em nossa avaliação, isso tem se provado insuficiente, principalmente para aqueles que foram obrigados a manter sua rotina de trabalho fora de casa. Hoje, existe muito mais rigor com a higiene das roupas, aumentando o fluxo na lavanderia, para a qual não deve ser contabilizado apenas o espaço para a máquina e o tanque, mas o espaço para secar e armazenar, com separação eficaz, as roupas limpas e as sujas. Este local, até mesmo por não haver mais a presença da empregada doméstica da forma como ocorria no passado, foi o que sofreu a maior redução. A ausência da empregada doméstica nos lares, apesar de muito mais comum atualmente, vem sendo amadurecida na mente dos arquitetos desde a década de 40, como mostra Homem (2003, p.19):
Verificaremos que, pela primeira vez em São Paulo, se pensava a cozinha como um todo orgânico, o qual, aliado à evolução do equipamento doméstico, provocaria notáveis modificações no tocante às grandes áreas de atividades da cozinha. Seja como for, a distribuição da cozinha ligada à vertente norte-americana não era uma desconhecida, como vimos acima. Por outro lado, mais afins com a arquitetura europeia, os arquitetos modernos, que começaram a trabalhar nas décadas de 30 e 40, eram conscientes quanto à necessidade de organizar-se a cozinha no sentido de possibilitar às usuárias e aos usuários a economia de passos e energia, mesmo porque, a dificuldade de contar-se com a empregada doméstica era cada vez maior. Mas, agora, se tratava da vulgarização da cozinha moderna, na dependência da produção de eletrodomésticos e deutensílios afins.
No Brasil, a hiperinflação ocorreu nos anos 80 e início dos anos 90, quando a inflação galopante chegou a superar os 80% ao mês - sim, ao mês. Ou seja, o mesmo produto chegava a quase dobrar de preço de um mês para o outro. Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostram que, entre 1980 e 1989, a inflação média no país foi de 233,5% ao ano. Na década seguinte, entre os anos de 1990 e 1999, a variação anual subiu para 499,2%.
O esvaziamento dos centros urbanos talvez seja a maior preocupação para os urbanistas. O Brasil foi fortemente influenciado pelo Modernismo, assim, muitas de nossas capitais possuem setores comerciais com zoneamento específico. Uma vez que a ocupação destes locais diminua, será possível haver prédios totalmente vazios, o abandono será a próxima etapa.
O abandono de um prédio, ou até de um conjunto todo, implica várias mazelas sociais. À medida que um lugar é abandonado, passa a ser descuidado, e logo haverá a deterioração daquele patrimônio. Segundo a Teoria das Janelas Quebradas, desenvolvida por James Wilson e George Kelling (1969), como explica Ortega (2016, s.p.):
Os autores da teoria defendiam que, se uma janela de uma fábrica fosse quebrada e não fosse de imediato realizado seu conserto, as pessoas que passassem pelo local presumiriam que ninguém se importava com aquilo e que, naquela região, não havia autoridade responsável por punir os responsáveis pela atitude danosa. Em pouco tempo, outras pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas.
Ao trazer o morador de baixa renda, que geralmente mora muito distante da cidade, para o centro, será evitado o abandono do local. Muito além de apenas novos prédios residenciais, haverá a revitalização dos centros. Não uma revitalização estética, como existem muitas em nosso país, mas uma revitalização humana.
Considerações finais
A primeira coisa que devemos entender é que o mercado imobiliário, apesar de pouco se importar com questões sociais, por uma
Ao compararmos os empreendimentos da década de 80 com os atuais, vimos que houve a diminuição da área total construída. Com isso em mente, acreditamos que, dificilmente, os imóveis irão aumentar a sua área, mas, provavelmente, outras partes serão sacrificadas para que estes novos ambientes possam ser oferecidos. Na verdade, somos vítimas de um sistema que avalia um imóvel por metragem, e não por qualidade. Isso pode ser comprovado quando analisamos o código de obras de qualquer cidade brasileira e notamos que ali estão estabelecidos metragens, aberturas e acabamentos mínimos para que uma obra seja aprovada. Buscando evitar a citação de todos os códigos de todas as unidades federativas do Brasil, deixamos o Código de Obras do Distrito Federal para aqueles que quiserem verificar (Secretaria de Estado e Desenvolvimento Urbano e Habitação, Códigos de Obras do Distrito Federal, 2015). Além do Código de Obras, a condicionante para que a construção de um imóvel seja financiada pela Caixa Econômica Federal - banco público-privado usado para fomentar o mercado imobiliário como política de estado -, por meio do seu Caderno de Orientações Técnicas (2019), , trata muito mais das questões mínimas do que da qualidade. Uma vez que a área fosse aumentada, mesmo que isso trouxesse pouco impacto financeiro à construtora, o efeito para o comprador seria substancial.
As implicações nas cidades talvez sejam as mais observadas hoje. O fato de ruas, parques, escolas, restaurantes e tantos outros lugares estarem vazios é dificilmente imperceptível. Talvez um dos fatores mais estranhos seja não ouvir o barulho de crianças em parquinhos, escolas ou até mesmo brincando na rua. Por um lado, o isolamento social uniu mais as famílias, mas praticamente extinguiu o convívio social. O urbanista terá novos desafios; buscar entender a nova dinâmica social será complexo e trará muitos obstáculos.
As escolas, o comércio e os escritórios estão acumulando poeira, e provavelmente muitos continuarão fechados, mesmo após a liberação das atividades. Alguns permanecerão fechados devido a fatores financeiros, outros, por receio de que ainda possa surgir uma segunda onda. A verdade é que ninguém pode afirmar o que irá acontecer com as cidades. A cidade descrita pela Carta de Athenas (1933), disponível no site do IPHAN (BRASIL.IPHAN, 2019), que seria setorizada, cada parte desempenhando sua função como uma máquina, talvez seja algo que ficará para os livros de história.
Apesar de os avanços tecnológicos terem sido essenciais para que a vida não parasse em meio a esta pandemia, eles também serão o motivo de mudanças irreversíveis em nossa sociedade. Assim como mencionado anteriormente sobre o Banco do Brasil desocupar 19 prédios (InfoMoney, 2020), outras empresas seguirão este caminho. Existem mudanças que aconteceram devido à Covid-19, mas que não devem retornar ao estado anterior. As implicações que isso trará para as cidades só era visto em obras de ficção científica.
O futuro das cidades e as implicações deste período de isolamento serão objeto de estudo de vários profissionais, como sociólogos, psiquiatras e urbanistas. No atual momento, apenas é possível tentar prever situações hipotéticas e estar preparado caso a situação se apresente. Não é a intenção do autor ser alarmista ou pessimista, mas prever o maior número de situações possíveis e, assim, tentar estar preparado para o futuro, diminuindo o impacto das mudanças.
Referências